I – Os Pontos Básicos

Quando, na vida, encontramos um indivíduo que tem as nossas ideias e sentimentos e passou pelas mesmas vicissitudes, sentimo-nos irresistivelmente atraídos para ele, movidos pelo sentimento de simpatia fraterna. Por este motivo falo de Teilhard de Chardin.

Os pontos de contato são três: 1) as teorias defendidas; 2) os sofrimentos morais causados pela dolorosa posição de incompreensão e condenação por parte das autoridades religiosas; 3) a paixão pelo Cristo, concebido racionalmente como ponto de convergência da evolução da vida. Observemos os três pontos para compreender o pensamento e a nobre figura moral deste cientista, filósofo e crente, assim como o significado da sua obra perante a renovação atual do mundo. Este exame poderá levar-nos além do caso particular, para observações de caráter e interesse geral.

1) As teorias defendidas por Teilhard de Chardin e pelo autor.

Em Teilhard, encontramos os seguintes conceitos: transformismo, evolucionismo, estrutura orgânica do universo e tendência do ser a alcançar um estado cada vez mais orgânico, de unificação. O homem é um elemento consciente que existe em função de um todo organizado, destinado a tornar-se sempre mais consciente desse todo e dessa organicidade. A evolução é orientada, por um íntimo impulso telefinalístico, em direção a um ponto conclusivo: Deus. O fim supremo da existência é a convergência das diversas consciências individuais na consciência única e total do centro Ômega, último momento e fim da evolução: Deus. Teilhard não acrescenta nada mais. Mas isto implica e deixa entrever a possibilidade lógica de que este ponto possa ser também o Alfa de todo o processo que, para ser completo, deve conter ainda a sua contrapartida involutiva precedente, como demonstramos claramente no volume: O Sistema.

Continuemos escutando o que nos diz Teilhard. O universo está completamente impregnado de pensamento, que se torna cada vez mais patente com a evolução da vida, através da crescente complexidade estrutural que a matéria, desse modo, alcança. Eis um pan-psiquismo que é um pan-espiritualismo e um monismo, que pode parecer materialista, mas que não é, porque aqui o materialismo é impulsionado até tornar-se espiritualismo. O condenadíssimo evolucionismo darwiniano não é expulso, ao contrário, adotado, está implícito e, logicamente, enquadrado neste evolucionismo tão vasto que compreende também o espírito. A função da vida consiste em fazer surgir este espírito, avançando em direção a ele através de um transformismo biológico (o darwiniano), cuja função não é senão a de veste exterior e de um instrumento de expressão, experimentação e laboração de um outro transformismo mais substancial, de tipo psíquico, escondido na profundidade, que anima a forma.

Teilhard intuiu uns laivos de consciência incipiente mesmo nos graus ínfimos da existência, no plano físico do universo. Para ele, a matéria inorgânica é antes uma matéria previvente, e num sentido lato, preconsciente. A evolução levou esta consciência a revelar-se imensamente mais avançada e potente no homem. Ora, a organicidade do todo implica uma lógica e seria absurdo determo-nos neste ponto do caminho sem continuá-lo. Teríamos um fenômeno partido ao meio, que de repente para, sem completar toda a sua trajetória e alcançar a necessária conclusão, ambas implícitas na lógica de desenvolvimento do próprio fenômeno. Que imensos horizontes nos abre para o futuro conceito, necessário, no prolongamento do processo evolutivo!

Hoje, portanto, um cientista nos confirma que a matéria está cheia de vida e a vida cheia de inteligência. Nós acrescentamos: Cristo pode ser proposto à ciência positiva como superbiótipo do futuro, supremo modelo que a raça humana poderá atingir com a evolução, e o Evangelho como a lei social da unidade coletiva representada pela super-humanidade do futuro.

Não obstante as tentativas humanas de conciliação, o Evangelho apresenta-nos Cristo e o mundo como dois inimigos inconciliáveis, os quais no entanto devem coexistir na Terra. Mas é necessário compreender o que entendia Cristo por mundo. Isto não significa ser Ele contrário à vida. Referia-se a um estado de fato, que o mundo estava e ainda está imerso num estado primitivo animal, pleno de egoísmos e lutas ferozes. Cristo condenava somente esta forma de vida inferior. A inconciliabilidade não se refere a um mundo de evoluídos e civilizados, pois, Ele quer transformar a humanidade atual, precisamente, num tipo mais avançado de vida, que o Evangelho chama de reino dos céus. Com um tal mundo Cristo está plenamente de acordo, justamente por isto, nele se realiza toda a Sua Lei. Veio para ensinar-nos este novo modo de viver, dando-nos as normas no Evangelho.

Voltemos a Teilhard. Vemos que, orientado assim, ele resolve o dualismo espírito-matéria, no qual parece encontrar-se dividida a obra de Deus num antagonismo bem-mal, Deus-Satanás, em que o Cristianismo se debateu durante milênios. Teilhard o resolve a favor do espírito, ao qual chega partindo do materialismo científico e levando-o até às suas mais audazes consequências; isto é, partindo da teoria da evolução para desenvolvê-la até atingir os seus mais altos resultados. Não nega a matéria como a ciência a viu, mas acrescenta o que a ciência não viu, a alma de um sopro espiritual que explica as suas funções, mostrando-nos as suas razões, e justifica a sua existência. Assim a torna transparente, luminosa de conceito, elevada de negação a expressão do pensamento de Deus. Tudo se fez e continua sendo feito por este pensamento. Isto representa a afirmação racional e a descoberta científica da sua presença em tudo o que existe, isto é, a imanência de Deus.

Fica assim esclarecido o sentido de todo o processo da evolução, numa síntese lógica e harmônica na qual concordam as verdades provadas pela ciência com os princípios finalísticos da concepção religiosa. Chega-se a uma conciliação de extremos opostos, a uma fusão orgânica, a uma unificação. Tudo isto pode parecer um materialismo místico, mas pode significar também as bases científicas do Cristianismo, que delas se aproveitaria porque atualmente não as possui, fato que o mantém fora do terreno positivo da ciência. Teilhard foi julgado, por alguns, um novo S. Tomás, cristianizador, não de Aristóteles mas de Marx e Darwin. Poderia, desse modo, ser sanada a cisão entre ciência e fé, para passarem da inimizade à colaboração. Muito teriam que dizer-se uma à outra. A fé teria, finalmente bases positivas, a ciência poderia ser iluminada e vivificada pelo espírito.

O evolucionismo darwiniano ficaria, mas só exteriormente, limitado à forma. Intimamente, é constituído pela evolução de um pensamento, é impregnado e orientado por um exato telefinalismo, nele imanente. Naquele evolucionismo, até agora entendido materialmente, há lugar de sobra, existe inclusive a necessidade da presença de um Deus, centro de um pensamento continuamente criador. Assim a matéria, de inimiga inerte do espírito, vincula-se, logo nos primeiros graus, ao processo universal da revelação do espírito, verdadeira e fundamental realidade do universo. O homem, no seu nível, faz parte deste processo. Num plano de existência muito mais alto, a evolução realiza-se no homem, através do homem que exprime uma fase dela, arrastando também o movimento de todo o processo, em direção a planos de existência cada vez mais altos. O progresso social revela a sua mais profunda natureza, a de um processo biológico cuja direção o homem deve tomar, agora mais que nunca, guiando com a sua inteligência a evolução. Até hoje ela apenas realizou, por um jogo de determinismos estabelecidos e impostos pelas leis da natureza. Trata-se agora, não de aceitar passivamente a evolução, mas de conduzi-la, tornando-nos conscientes dos seus fins, como operários de Deus, seus colaboradores na obra de construção do nosso setor da existência. O homem não viverá mais à mercê das leis da natureza, mas, consciente e responsável, dirigirá o seu próprio destino

Teilhard trata assim de chegar a uma “Nova Teologia” em que tudo se santifica por meio da universal presença do pensamento de Deus imanente, sem que por isso seja negado o seu aspecto transcendental. Chega-se a uma “Santa evolução”, que corrige o velho criacionismo pueril antropomórfico, não mais adaptado à mente moderna. É um novo evolucionismo consagrado no altar de Deus. O mundo move-se e, ainda os que não o queiram, têm de mover-se por força. O transformismo substitui a velha imobilidade. Podemos ver o que há de verdade no panteísmo evolucionista, condenado sem discriminação. Mas que haverá de mais vital do que ver Deus por toda a parte e, através de uma visão evolucionista do universo, não poder concluir senão com a sua espiritualização? Não poderá tudo isto conduzir-nos a um cristianismo, racionalmente mais aceitável para quem pense, e a um Evangelho mais demonstrado e convincente, ao mesmo tempo a uma ciência espiritualizada, mais nobre e santa?

Eis a vida levada à sua verdadeira essência. A substância da existência, a estrutura mais íntima do ser é de natureza psíquica, a vida é pensamento coberto de morfologia; a espiritualidade, base das religiões, é colocada no ápice da evolução. Cristo é um superego hoje transcendente, mas amanhã ponto de chegada para a raça humana, ponto no qual o egoísmo separatista, vigente na luta pela sobrevivência, será substituído pela solidariedade coletiva unitária do amor evangélico universal. Teilhard nos apresenta uma maravilhosa espiritualização do universo, elevada sobre bases científicas. O Evangelho representa uma transformação de leis biológicas e significa a imensa revolução operada pela passagem da vida de um nível de evolução a outro superior.

Quisemos reproduzir, em traços genéricos, o pensamento fundamental de Teilhard com a alegria de ver que ele corresponde plenamente ao nosso pensamento, exposto na obra chegada até agora no seu 21o volume, em mais de 8000 páginas. Uma tal concordância de conceitos com os de um cientista de tão grande valor, com um cristão honesto e convencido, cheio de bondade e de cultura, significa que as ideias por nós sustentadas não podem estar nem cientificamente erradas, nem serem moral e teologicamente condenáveis, como já se pretendeu. Os escritos das duas partes são contemporâneos (Teilhard 1881-1955)1 , e apareceram sem que tivesse havido conhecimento recíproco, em ambientes e países completamente diferentes. O mundo começa a compreendê-los só agora. Este fato parece mostrar-nos que o pensamento humano, na primeira metade de nosso século, quis exprimir os mesmos conceitos por estes dois caminhos, e em forma tão diversa, porque o mundo está chegando a uma nova maturação e deles tem necessidade. Tanto é assim que a religião mais conservadora prepara-se, com Teilhard, a examiná-los, pela necessidade de atualizar-se. Por isso, o seu caso é importante e desperta interesse; porque ser útil às religiões para alcançarem o nível das últimas descobertas científicas, perante as quais elas ficaram atrasadas.

Se as conclusões coincidem no conjunto, há, no entanto, uma diferença entre os dois casos, porque se desenvolveram em posições e com métodos diversos. Como religioso, Teilhard estava preso, a priori, às afirmações categóricas da sua fé, da qual não podia afastar-se, e a favor das quais, sem possibilidade de escolha, tinha de concluir seu trabalho a qualquer custo. Isto podia pesar sobre a interpretação dos fatos, tendendo a torcê-los num determinado sentido, em prejuízo da verdade objetiva. Ora, a investigação do cientista deve ser livre. A ela não se podem antepor e impor premissas axiomáticas. Mais do que à descoberta se tende à conciliação, a objetividade está comprometida pelo preconceito, a realidade deve ser vista através de uma particular forma mental pré-estabelecida. O recinto dentro do qual se permite ao pensamento mover-se, para investigar e concluir, é limitado por barreiras. Tudo isto paralisa a investigação, e não é científico. Em nosso caso, pelo contrário, tínhamos a liberdade de chegar a qualquer conclusão que os fatos nos indicassem e exigissem de uma forma positiva. A nossa finalidade era apenas descobrir a verdade e não concordar com uma religião. Foi assim possível chegar a conclusões mais vastas, aceitáveis mesmo fora das religiões, até pelo materialismo ateu, apesar de serem de natureza ideal e espiritual.

Nos dois casos, as condições de trabalho e os métodos foram diferentes. Normalmente, parte-se da constatação positiva dos fatos, alcançada com a observação e a experiência, construindo e verificando as hipóteses com as quais tratamos de explicá-los, para obter e fixar uma teoria provada por eles como verdadeira, ou seja, os princípios gerais segundo os quais os fenômenos observados funcionam. O pensador vai sempre subindo, do particular ao universal, eleva-se para conseguir uma visão de conjunto, mais vasta possível e assim mais apta a orientar-se-nos.

Em nosso caso o método seguido foi o oposto, pelo menos no princípio. Foi dedutivo e não indutivo. Procedeu-se do universal para o particular, em vez do particular para o universal, seguidos, assim desde o princípio, e não em busca de orientação. Não obstante, um segundo momento, os mesmos fatos, que para a ciência são um ponto de partida, nós, com o seu mesmo método de observação e experiência os examinamos, mas apenas para verificar se eles confirmam a visão geral e se ela corresponde a esses fatos. No primeiro caso a investigação é orientada só numa direção: fatos em direção à teoria. No segundo caso ela está orientada em duas direções: teoria em direção a fatos e vice-versa. Assim eles são utilizados para o controle da teoria, que não permanece assim como visão destituída de provas racionais, mas que, através dos fatos, demonstra-se ser verdadeira, respondendo à realidade.

Só com este segundo método, que chamamos intuição, se pode chegar a uma visão universal do todo, movendo-se com mentalidade positiva no terreno onde a ciência, com o seu método, não pode chegar; quer dizer: pode-se chegar ao terreno das maiores visões teológicas, obtidas com o único método possível, o da intuição. Trata-se de um voo. Mas sem voo não se alcançam os princípios universais da existência. Trata-se de um voo que em seguida se baixa à Terra, trazendo a fotografia da visão obtida, colocando-a em contato com os fatos, para verificar se é verdadeira. Procedemos assim e vimos que se confirmam, de modo que podemos dizer: corresponde à realidade. Não havia outra maneira para obter-se uma síntese universal, para consegui-la, a ciência está ainda muito longe.

Teilhard se orientou, já se começa a raciocinar com a ciência sobre problemas espirituais, e com as religiões sobre problemas científicos. Poder-se-ia chegar ao ponto de admitir que o produto da revelação, contido no Cristianismo, deveria ser levado seriamente em consideração pela ciência, como hipótese de trabalho, para aceitar que os fatos demonstram corresponder à realidade. Assim, uma revelação, positivamente controlada, poderia ser aceita pela ciência. A última confirmação de cada verdade pode ser confiada somente a uma verificação que demonstre que os fatos funcionam, realmente, como essa verdade afirma. Apenas deste modo, as intuições ou revelações podem dar garantias de segurança.

O mundo, apesar de tudo, caminha e ninguém tem o poder de pará-lo. A teoria da evolução foi combatida, até há poucos anos, nos ambientes religiosos. Hoje, para a quase totalidade dos biólogos, a evolução é um fato estabelecido, universalmente aceito, não mais uma hipótese. A maior parte dos cientistas já não põe em dúvida que biologicamente o homem provém do mundo animal superior. A evolução não é fenômeno que possa ser limitado à vida, porque, numa visão universal, tudo e todas as formas de existência devem estar nela incluído, se não quisermos ficar fechados num único setor do fenômeno evolutivo, limitados a um só trecho do seu desenvolvimento.

Teilhard nos apresenta uma evolução universal, dividida em três grandes etapas: matéria, vida, espírito, como também o Prof. Marco Todeschini, de Bérgamo (Itália) falou de Psicobiofísica. O universo astronômico, com a matéria, oferece-nos a base física, constituindo a geoesfera, coberta nos planetas de revestimento vivente, representando a bioesfera, cuja função, através da vida, consiste na revelação da consciência, que constitui a nooesfera, novo revestimento de pensamento e consciência. Trata-se, pois, de três fases sucessivas, cada uma das quais se eleva sobre as precedentes, depois de alcançada e vivida.

Esse conceito de um crescente psiquismo e progressiva cerebralização do ser, reproduz em palavras científicas, o conceito da progressiva espiritualização cristã, da ascese da alma em direção a Deus. Encontramos o fio condutor de toda a evolução: ela é um caminho que conduz ao espírito. A cosmogênese inicia o processo que continua porque se prolonga na biogênese, esta, por sua vez, desemboca na noogênese. Assim, finalmente, pode-se compreender o significado do processo evolutivo, alinhado ao longo deste seu eixo principal, que nos mostra o início, o desenvolvimento, a meta, desde o princípio até o fim. O ponto Ômega, de chegada, está hoje presente entre nós, em forma de ideal e está esperando a nossa evolução para realizar-se no futuro, O imenso trabalho que exige efetua-se em função desse futuro e representa o seu resultado, compensação de tantas das nossas fadigas, dores e perigos. A escalada evolutiva, descoberta e provada pela ciência, vai em direção a Deus; com outras palavras, as religiões nos ensinaram. Agora já não vivemos e não ascendemos como cegos. Devido a tudo isto, tendo a ciência conseguido conhecer o caminho percorrido que nos trouxe até aqui, podemos deduzir qual será o de amanhã e até onde nos levará. No terreno das nossas conquistas espirituais, à fé das religiões, sucede agora a certeza científica.

Voltando à comparação com a nossa obra e às suas concepções, constatamos que a cosmo-bionoogênese de Teilhard corresponde ao físio-dínamo-psiquismo de A Grande Síntese. Ele também tentou uma síntese ou fenomenologia do universo até no campo filosófico e teológico, ou, pelo menos, dos seus escritos transparece uma tentativa de orientação universal neste sentido. No entanto, concebeu os três momentos ao longo dos quais se desenvolve o eixo central da evolução, como matéria, vida e espírito; e não como: matéria, energia e espírito. Isto se explica, sobretudo, porque sendo geólogo e paleontólogo, não valorizou adequadamente, na economia do universo, a importância da física nuclear e do fenômeno da desintegração atômica, coisas que então acabavam de aparecer. Teilhard passou da matéria à vida sem ver o termo intermediário, a energia, sem a qual não se explica a origem da vida por evolução. Ele não explica a passagem da química inorgânica à química orgânica, que representam formas exteriores e não a substância do fenômeno. Escapou-lhe a continuidade do processo evolutivo: matéria, desintegração atômica (base da gênese dinâmica), eletricidade que é forma de energia mais evoluída, da qual se passa à substância da vida, esta não é dada pela forma orgânica, mas pelo psiquismo que a constrói e rege, psiquismo de origem elétrica, como o demonstra a sua base de apoio, nervosa e cerebral.

Quando se escreveu A Grande Síntese, por volta de 1933, com uma física nuclear ainda no início, tais afirmações podiam parecer fantasia. Hoje, experimentalmente, procura-se provar a verdade da teoria das origens elétricas da vida. Em 1952 o químico americano S. L. Miller, pensando que a vida pudesse estar relacionada com a descarga elétrica do raio, tratou de reproduzir em laboratório as condições em que deveria encontrar-se a Terra antes que aparecesse a vida. Infelizmente não pôde adiantar suficientemente as suas experiências. Ora, o bioquímico inglês Cyril Pannamperuma, através das suas experiências, concluiu que a matéria inorgânica, sob a ação das descargas e raios cósmicos, pode transformar-se em matéria orgânica. O raio daria a energia necessária.

Existem, pois, algumas diferenças com Teilhard. O ponto novo e central, isto é, que a vida serve para desenvolver e revelar o espírito, foi captado também por ele e admitido plenamente: não é pequena a revolução dentro do Cristianismo. Com essa teoria, podemos acrescentar e explicar a tremenda lei da luta pela vida, que leva ao devorar-se recíproco. Ela, se bem que feroz, justifica-se como meio para o desenvolvimento da inteligência, processo iniciado desde os primeiros planos da existência, obrigando ao esforço para a defesa, e se revelando em forma cada vez mais evidente num processo de espiritualização, para o ser que mais avança no caminho da evolução.

Há ainda uma outra diferença com Teilhard. Falando de “nova teologia”, não atinge as primeiras origens do universo, da criação e suas consequências, como o resultado final de imensa obra. Continua sem explicação: como das mãos de um Deus sapiente, bom e perfeito, tenha saído o mal, a dor e a morte, como a Sua unidade possa ter sido (por Ele ou por outros?) despedaçada no dualismo em que existimos. Teilhard, no seu volume: L’activation de l’ernegie, chega a definir o mal como um efeito secundário, subproduto inevitável, no caminho do universo em evolução. O problema do mal, diz ele, não se coloca já, porque é estatisticamente impossível que numa multidão de fenômenos, em vias de acomodação, procedendo por tentativas, como se desenvolve a evolução, não se verifiquem os casos incompletos, mal terminados, discordantes da ordem geral. Mas respondemos: o mal, a dor, a morte, não são incidentes menores da evolução aos quais não se dê importância, ao contrário, estão de tal modo profundamente radicados no fenômeno da existência, tentando comprometê-la a cada passo, que, para salvá-la desta ameaça, é necessária a presença contínua e atividade saneadora da potência criadora de Deus.

Teilhard, como sistema filosófico e teológico, portanto, deveria ser, pelo menos, completo, para esgotar o assunto. Mas ele era sobretudo cientista e, além disso, neste outro terreno, devido à sua posição eclesiástica, estava ligado a uma ordem estabelecida, da qual era difícil libertar-se e proibido de sair.

O significado e importância do pensamento de Teilhard está, sobretudo, na tentativa de aproximar o Cristianismo da ciência e assimilar suas conclusões, até ontem condenadíssimas. As religiões representam uma massa enorme, a maioria das quais com uma forma mental elementar, lentíssima a compreender e evoluir. Cada alteração de pensamento deve ser feita com extrema prudência para não perder o equilíbrio, ultrapassando os limites da compreensão. Mas a evolução está hoje apressando o passo. Temos aqui um sacerdote acusado de panteísmo, monismo, materialismo, evolucionismo, darwinismo, marxismo e até comunismo, em muitos aspectos comparável a Rosmini, por isso o ouvimos falar e escutamos com interesse.

Eis, em ambiente eclesiástico, uma tentativa, semelhante à nossa, de realizar uma síntese, na qual se unem, como elementos complementares, os dois termos até agora em antítese, ciência e fé, matéria e espírito. A nossa tentativa foi, não obstante, mais livre, como pesquisa da verdade, porque, como já assinalamos, não estávamos obrigados a concluir conforme premissas já estabelecidas. Todavia, não se pode deixar de reconhecer em Teilhard um grande mérito: o de haver tratado de santificar o pecado de ser evolucionista (de que tantas vezes foi acusado), agora transformado em santa evolução. Estranho modo de avançar nas religiões, apesar de afirmarem que permanecem imóveis! Ao divino impulso da evolução não há conservadorismo que possa resistir.

Não se pode dizer que Darwin esteja errado, agora que a evolução se tornou um fato inegável. Ele é aceitável, porque a evolução pode ser considerada como um fato interior e a sua substância como um desenvolvimento de consciência; porque a sua mutação morfológica se julga com o transformar-se de uma veste exterior que acompanha uma evolução mais profunda, representando a sua verdadeira substância, ascensão espiritual em direção a um estado de perfeitíssima consciência, destinada a juntar-se a Deus. Assim a vida se move e dinamiza, transformando-se num caminho em direção a uma meta; aparece a visão de um imenso destino que corresponde ao homem realizar no futuro.

A evolução se santifica, porque dela se vê também uma outra face, além da natural, a divina. O natural é aceito como elemento que conduz ao divino, o divino como levedura imanente e razão final do natural. O processo evolutivo é assim entendido em sentido lato, isto é, como um processo que faz avançar a matéria, transubstanciando-a espiritualmente, santificando-a, até no homem e acima dele, conquistando cada vez mais consciência; o alfa se reúne ao ômega, a criação volta ao criador. Desta maneira o crescimento geológico e biológico desemboca na noogênese, isto é, termina na vitória final do espírito puro – pensamento já expresso por Carrel quando fala de “emersão do espírito da matéria”.

O que consola é ver como um catolicismo que nos meus escritos colocou no “Index” estas ideias, hoje, se bem que por outras vias, prepara-se para aceitá-las. É constrangido pela lógica persuasiva dessas ideias e pela sua difusão nos ambientes culturais, para salvar-se do ateísmo em expansão, porque hoje se pensa mais; quem pensa, para aceitar, exige ser convencido, pois a verdade como é apresentada, não satisfaz mais a exigência da mente moderna. Não obstante, parte do “rebanho” é constituída por ignorantes e supersticiosos, outra parte de ateus que exteriormente são ótimos praticantes. É necessário ao catolicismo tornar-se mais convincente, para resolver o problema da sobrevivência de uma fé com ameaça de ser superada.

2) Os sofrimentos morais devido à dolorosa posição de incompreensão e condenação

Teilhard foi mandado para Nova York para lá morrer em condições de verdadeiro exílio, depois de uma vida cheia de amargura pela dificuldade cada vez maior de fazer conhecer os seus escritos. O seu problema é de consciência, é o de um cientista que, havendo descoberto outras verdades, procura levá-las para o terreno religioso a fim de iluminar os crentes, honestamente desejosos de conhecer algo mais além da fé e para ficarem convencidos.

Sem dúvida, vivemos num momento de transição evolutiva no qual a ciência avança vertiginosamente, com conhecimento, transpondo as portas do mistério. Muda a velha forma mental, o modo tradicional de apresentar as verdades de fé e as torna de difícil aceitação. Em Teilhard, o drama é duplo: o de ter de admitir, em consciência, mesmo não ortodoxas, as novas verdades que lhe apareceram e das quais estava convencido; e o de dever fazê-las conhecidas de todos os que tinham necessidades delas para sair da dúvida, da falta de fé, da insatisfação em que se encontra a mente moderna perante problemas insolúveis ou não resolvidos com clareza convincente. O drama foi devido à sufocação destes dois santos impulsos, sofrido em nome do bem, quando o bem é o progresso, é da lei de Deus.

Muitos não querem cansar-se, pensar, arriscar-se, preferindo permanecer seguros nas concepções tradicionais. Na própria preguiça, considera-se elemento perturbador quem parece rebelde à velha ordem porque tem sede de luz, quer conhecer e fazer conhecer, subir e fazer subir, arde de uma contínua tensão espiritual que incomoda os que dormem quietos numa aquiescência passiva, que chamam fé e ortodoxia. A muitos não interessa um maior conhecimento e a conquista da verdade, só lhe serve grupo humano de que cada um faz parte, o seu poder terreno, o seu engrandecimento pela conquista de prosélitos. Entretanto, na vida, tudo se baseia na luta, e leva cada grupo humano a tomar uma posição de defesa, de encastelar-se no sectarismo, intransigência, dogmatismo, qualidades necessárias para poderem resistir e sobreviver. O problema não é de religiões, mas de tipo biológico, porque esta é a lei da vida no seu atual grau de evolução.

Além e para acima do universo físico, Teilhard viu, movido mais pela razão do que pela fé, o universo psíquico, isto é, o universo em nova dimensão, a do espírito, terreno supersensível das religiões. O cosmo, para ele, é um organismo funcionando e em evolução, orientado no sentido de fazer surgir e desenvolver a inteligência. Com isto ele realiza uma espiritualização da matéria e da ciência, estendendo assim ao infinito o terreno das religiões e fazendo delas um problema de interesse universal. Estas, em vez de fecharem, neste caso, as portas como perante um inimigo, deveriam abri-las para conseguir a sua imensa expansão. O problema para o cientista crente não é tanto o de compreender tudo isto, para ele evidente, mas o de fazer os outros compreendê-lo, para o evoluído o problema maior foi e será sempre o de fazer avançar os involuídos.

Como Santo Agostinho resumiu Platão e S. Tomás resumiu Aristóteles, cada um deles, formulando o Cristianismo segundo a linguagem do seu tempo; assim se espera que as religiões admitam, igualmente em seu favor, Teilhard formulando as mesmas verdades segundo a linguagem racional-científica de nosso tempo. Ele sentia a necessidade de realizar um exame crítico do pensamento teológico para atualizar-se perante as conquistas da ciência que o deixavam ficar para trás, enquanto as religiões, encaminhando-se para Deus, deviam estar logicamente na vanguarda, em vez se serem as últimas a chegar, arrastadas, a seu pesar, pelo progresso do pensamento laico. Estando em contato com Deus, em Quem se inspiram, as religiões deveriam ser as primeiras a compreender a verdade e não as últimas. Quem sente, como Teilhard, tais exigências, sente também o dever de falar, oferecendo a sua contribuição. Se as religiões não entendem e resistem, ele a oferece à humanidade, esta tem necessidade para progredir, mesmo sem as religiões porque não querem interessar-se por tais problemas.

Teilhard costumava dizer: “se não escrevesse, sei que atraiçoaria”. Procuremos explicar o caso com duas imagens. Ofereceram a um homem uma semente preciosa para que plantasse no seu vaso, mas aquela semente não agradava àquele vaso porque era diversa das outras ali contidas, então, atirou-o num campo. No vaso, aquela semente poderia crescer defendida, mas em terreno limitado que a teria impedido de desenvolver-se. Teria permanecido como ideia fechada num ambiente restrito, sem poder expandir-se. No campo, pelo contrário, a semente pôde desenvolver-se livremente, até tornar-se uma grande árvore, dentro do vaso não podia acontecer. Foi portanto um bem para a semente ser lançada para fora. A ideia que ela representava só assim podia tornar-se e se tornou universal. Eis o que acontece quando um grupo humano de ideias restritas rejeita uma ideia fecunda, capaz de novos desenvolvimentos.

Outra imagem. Dois galos fechados numa gaiola estavam se bicando com o fim de se destruírem, um ao outro, cada um pensando: se venço, serei dono da capoeira. Não percebiam que os levavam ao mercado e que pouco depois acabariam os dois na panela. Assim se comporta as religiões rivais enquanto se avizinha o cilindro compressor do comunismo ateu, que se prepara para nivelá-las todas na mesma liquidação.

Que fazer? Este é o grau de evolução da humanidade atual, explicar não serve para nada. O nível de unificação, hoje alcançado, não vai mais além da família e de grupos particulares, sejam religiosos, econômicos ou políticos, sempre limitados em função de determinados interesses comuns. Grupos mais vastos, nacionais ou raciais, estão apenas em formação. Cada unificação, na Terra, não chega a alcançar senão o grau de partido ou castelo fechado, armado e em luta contra os vizinhos, em estado de guerra para não serem destruídos, cada um quereria fazer o outro para seu triunfo. Enquanto a humanidade não superar esta fase de sua evolução, deverá ficar submetida às leis de tal plano biológico inferior. O evoluído que trate de elevar-se a um nível superior, para funcionar com outras leis e segundo uma outra compreensão da vida. Abaixo de seu mundo será sempre um intruso, um solitário, um condenado, como foi Teilhard de Chardin.

Tal biótipo, devido à sua posição avançada encontra-se fora dos grupos, porque o seu objetivo não é a defesa de nenhum deles, dentro dos quais se encontraria encerrado, mas o progresso da humanidade. O indivíduo, então, perante o grupo, pode escolher dois caminhos, segundo a sua própria natureza: o da liberdade ou da obediência. No primeiro caso pode seguir o seu ideal segundo a sua consciência, entregar-se na busca da verdade, pensar e falar livremente, cumprir a sua missão; porém, encontra-se isolado. Não tendo declarado sua adesão e obediência a qualquer grupo, não depende de ninguém, nem tão pouco recebe a defesa de que necessita para viver trabalhando pelo seu ideal. Se ele não se une aos fins de algum outro, ninguém está disposto a fazer-lhe gratuitamente o trabalho de protegê-lo. São estas as leis da vida no plano humano, é necessário ter a honestidade de reconhecê-las e declará-las tais quais são. Se esse indivíduo não pagar com sua submissão o seu pão, qualquer atividade intelectual lhe será impedida pela necessidade de ter, ele próprio de lutar pela existência. No segundo caso não haverá esta necessidade e se gozará da vantagem de uma proteção que garante a vida e a tranquilidade para trabalhar. Mas, pensamento e atividade ficarão submetidos ao grupo ao qual se pertence. Deve-se, por isso, pensar e trabalhar no interesse do grupo que, por fornecer o pão, tem o direito de exigir obediência espiritual e física. Quem dá e protege o faz por interesse próprio e, portanto, tende a escravizar. Quem recebe deve dar em troca obediência. Isto porque ao trabalho espiritual é dado o valor zero no mercado das coisas humanas, de modo que a liberdade de pensamento e atividade correspondente é coisa permitida apenas a quem possua independência econômica.

Observando as coisas do lado oposto, vemos que o grupo não é culpado de tudo. Este, por sua vez, está empenhado na luta pela sua existência, por isso, deve fazer dos seus membros os seus soldados para manterem a sua unidade, defendendo-a dos assaltos exteriores. A ele não interessa a evolução, mas o mais urgente: a sobrevivência. A isto é constrangido pelas condições da vida terrestre. O evoluído, pelo contrário, antecipa a evolução e, em vez de conservar e consolidar as posições, tende a fazê-la avançar. Por esta oposição de intenções, é temido e combatido como um perigo. Não representa a conservação, mas a arriscada aventura do progresso, precisamente aquilo que os imaturos, acomodados na sua preguiça, não querem. O reformador, desejando implantar uma ordem nova, sacode as bases do castelo no qual o grupo se aninha, leva desordem às sua filas, fato do qual os inimigos estão prontos a se aproveitar. É necessário compreender que a vida é um estado de guerra pela sobrevivência. Urge, portanto, como primeira coisa, a defesa e só depois, como luxo de ricos, é admitida a evolução. Tais tentativas de avançar são deslocamentos perigosos, dissipação de forças em tentativas que debilitam o grupo, e são consideradas saltos na escuridão. Quem os provoca deve, portanto, ser eliminado.

Perante o idealista, atraído pelo céu, está a dura realidade da vida. Não é lícito esquecer, nem por um minuto, que se trata de uma luta desesperada. Para quem é especializado nessa luta e não sabe fazer outra coisa, poderá parecer que não é verdade. Mas para o idealista dotado de outras qualidades e dedicado a outros trabalhos, o problema é bem diverso. Quereria, desesperadamente, gritar: na Terra não há lugar para o ideal. A humanidade deveria ajudar estes indivíduos que trabalham pelo seu progresso. Mas com que a humanidade se importa? Ela tem outras coisas para fazer. Deve pensar em matar e destruir tudo com as guerras, em enriquecer, e gozar a vida.

O problema, que o caso de Teilhard nos fez recordar, é, principalmente de biologia e interessa à humanidade, porque constitui o problema de evolução da vida. O ideal, antecipação da evolução, realiza-se na Terra através de diversos tipos de instrumentos. Não nos interessa condenar ninguém, mas conhecer a técnica dessa realização. De um lado temos os mártires do ideal, do outro os administradores e usufrutuários do ideal. Os primeiros, pouquíssimos, trabalham pela conquista de posições mais avançadas; os segundos, a maioria, ocupam-se em conservá-las, utilizando-as para si. Neste processo que vai desde o sacrifício do mártir à mecânica burocrática e ao parasitismo, o impulso do iniciador se desfaz, cansa-se, esgota-se, afundando-se no lodo humano, túmulo do ideal.

A massa, que forma o corpo da humanidade, é constituída por homens do segundo tipo. Lutam contra os do primeiro para reduzi-los ao seu nível. O inovador, por sua própria natureza e pela posição na qual está o coloca, já fixou o seu destino de incompreensão, isolamento e perseguição. Ele terá de trabalhar em condições difíceis, porque não segue os interesses imediatos do grupo, aqueles que os componentes melhor veem e sentem, e não os interesses superiores e longínquos, que não veem e por isso não entendem. Para poder trabalhar em paz, deveria concordar com o grupo, mas teria que renunciar à sua iniciativa, à independência espiritual, ao seu ideal. O drama existe por que o mundo não quer ser incomodado e afasta os indivíduos que tratam de o fazer progredir. Este é o drama de Teilhard de Chardin. É fácil constatar, historicamente, que a humanidade, antes de santificar, dá-se o gosto de sacrificar; trabalho nada espiritual da parte de quem o executa, mas, indubitavelmente, faz parte da técnica de santificação. Isto nos é demonstrado, em nosso tempo, pelo caso do Padre Pio de Pietralcina (Itália).

O que deve fazer então o indivíduo? Como se deverá resolver o caso e como o resolveu Teilhard? Se o mundo não quer ser salvo, o indivíduo, no entanto, deverá salvar-se a si mesmo. Para compreendermos, devemos referir-nos à moral positiva contida nas leis da vida. Primeiro de tudo, por que razão a autoridade possui o direito de condenar? Tê-lo-ia, se correspondesse a um critério da justiça. Mas não corresponde quando a condenação do que hoje se considera prejudicial fica contraditada pela aprovação de amanhã, quando o mesmo fato acaba sendo considerado benéfico. Este dizer e desdizer, à mercê das circunstâncias e das mudanças de opinião dos indivíduos que julgam, tem muito de provisório, incoerente e irresponsável, e não está de acordo com um tribunal de justiça. Será honesto aprovar somente uma idéia nova quando todos a aceitaram e, para defendê-la, não representa mais nenhum risco ideológico? Assim se chega sem perigo algum de enganar-se, mas é deprimente ser o último a chegar, arrastado pelos outros, a quem se deixa toda a responsabilidade das novas afirmações, a fadiga da pesquisa, a incerteza da tentativa, exceto o apropriar-se dos resultados quando tudo leva ao êxito.

Quem é imparcial, porém, justifica tudo isto. A vida se baseia na luta; o grupo tem necessidade de defesa para sobreviver. Luta contra as coisas novas para a sua conservação, nelas vê uma tentativa de destruição do passado sobre o qual se baseia a sua existência. Trata-se, portanto, de um caso de legítima defesa contra um perigo, uma ameaça de morte. O direito de julgar e condenar se baseia em dois fatos: 1) a posição do grupo perante o indivíduo é a do mais forte. Na Terra, basta isto para conferir o direito de estabelecer qual é a lei e, portanto, o de julgar. O grupo é mais forte porque é maioria perante o indivíduo que está isolado e é minoria, como é mais débil e não tem direitos. 2) A necessidade em que o grupo se encontra de defender-se para sua conservação, e o sagrado direito de todos à vida.

E o indivíduo? Por que ele é minoria, por que não possui o poder que provém do número, porque está só? Para ele não haverá justiça, possibilidade de trabalhar, para realizar o ideal, e fazer progredir a vida? O drama consiste no seguinte conflito: de um lado tal indivíduo, por intuição e raciocínio, compreende a importância e a verdade das suas novas afirmações, sendo honesto, sente que deve comunicá-las aos seus próprios semelhantes, para seu futuro progresso, viu e não pôde fazer outra coisa senão enunciar a nova verdade; o lado oposto, a autoridade encarregada da defesa dos interesses do grupo, preocupada pela sua conservação e pela conservação do grupo, mais do que pela pesquisa da verdade. Quer ficar fiel às coisas velhas nas quais baseia a sua posição, rejeita e condena cada novidade.

Os fins são opostos. O do reformador é o progresso, o do grupo, autoridade que o dirige, é continuar a viver com a menor fadiga e risco possíveis. Em virtude disto, é lógico que a autoridade imponha silêncio ao inovador. Assim o proíbem de falar e publicar, impedem-no de pensar, compreender e defender a verdade da qual está convencido. Então, as duas partes em conflito transformam-se em dois inimigos em luta, cada um com boas razões para agir à sua maneira. O inovador atenta contra a tranquilidade e segurança do grupo, que se defende. A autoridade atenta contra a liberdade do espírito, quer dentro do grupo, para deter ou torcer o pensamento, paralisando as mais nobres funções do ser. Isto não é senão um aspecto da luta entre o evoluído, este quer fazer progredir o mundo, e o involuído que não se deixa redimir com esse progresso.

Isto é contra Deus e pode ser feito em nome de Deus. É sufocação espiritual, é negação de ascensão, mas a autoridade pode fazê-lo porque é o mais forte e assim tem razão contra o indivíduo que, isolado, é mais débil. Por isso, deve submeter-se, apesar de lutar por um fim muito mais alto do que aquele pelo qual luta a autoridade. Todavia trata-se de duas funções, ambas necessárias, uma perante os homens por necessidade terrena, outra perante Deus por necessidade do ideal. Disto se deduz: se a autoridade, do seu ponto de vista, tem o direito de condenar, o condenado, do seu ponto de vista, tem o dever moral, perante Deus e a sua consciência, de não renegar o seu pensamento e de continuar a sua obra. Foi exatamente assim que agiu Teilhard. Mais acima quisemos simplesmente encontrar e expor as razões que justificam a sua conduta, para nos convencermos de que se trata de um bom exemplo. Baseamo-nos na observação das leis biológicas do grupo, que são verdadeiras para cada grupo, também para o religioso.

Teilhard obedeceu à autoridade, sofrendo em silêncio, mas sem nunca renunciar às suas ideias. Às almas simples do povo ele não ofereceu o escândalo da desobediência, que estamos mais dispostos a imitar, exemplo que a tantos oferece a oportunidade de sentir-se autorizados a seguir o caminho do mal. Para o homem do ideal, lançado em direção ao futuro, isto é martírio, mas a ignorância humana assim o exige. Ele o sabe e aceita. A posteridade depois julgará com outros critérios, e a autoridade tem tempo de entender e inverter o seu juízo. Hoje se vai reabilitando para ir utilizando o que pode ser útil e aceitar o que já não se pode deixar de admitir. Assim, vai-se desenterrando o condenado ao silêncio, com cautelosas sondagens da opinião pública, para ver até onde será possível atualizar-se sem perigo.

Aqui estamos só como observadores imparciais do fenômeno, para explicar-nos o seu funcionamento. Havia também um outro fato em Teilhard. Ele comia o pão da Ordem religiosa de que fazia parte e à qual estava moralmente comprometido de ficar fiel. Sendo honesto, sentia o dever de não se rebelar contra a família a que passara a pertencer, que o havia criado e agora o protegia no seu seio. Obrigações, práticas de dar e haver, pequena contabilidade terrena que, no entanto, os honestos levam em conta, porque receber sem dar em troca é explorar. Mas, nem todos têm um sentido tão perfeito de honestidade. Outros, feridos no orgulho, revoltam-se abertamente para satisfazer a própria reação pessoal. Passam, então, para outro grupo; conservando o mesmo espírito sectário, continuam lutando contra o grupo que primeiramente os hospedara. Trata-se de um homem de partido que, esteja de um lado ou de outro, permanece sempre igual, sem sair da sua velha forma mental.

Que aconteceu então no espírito do inovador honesto, que não obstante respeita a autoridade? Quais são os seus direitos, as suas compensações? Para ele existe o caminho da paciência, do trabalho, do martírio, caminho que é também o da sua santificação. Observemo-lo. Ele pode servir de exemplo e guia a quem se encontre em semelhantes situações.

Lemos no volume: O Jesuíta Proibido, de G. Vigorelli: “Não está ainda escrita a história secreta da “redução ao silêncio” de Teilhard de Chardin. Dos dois interlocutores um está sempre ausente; e, mesmo quando se faz presente, castiga, mas não entra no diálogo; a mão, a cada vez que castiga, se esconde (....). Drama sumamente cruel que durou mais de quarenta anos, mais ardente porque ficou coberto pelas cinzas”.

O seu confrade, Padre Pierre Leroy, no seu livro Pierre Teilhard de Chardin tel que je l’ai connu, testemunha: “Incompreendido e condenado ao silêncio, sofre de angústias, que algumas vezes o aniquilam (...). Com paciência suportava uma prova que esmagaria os corações mais fortes. Quantas vezes, na intimidade dos nossos encontros, tínhamos visto abatido (...). Sofria de crises de angústia, que mais tarde deveriam tornar-se mais agudas (...). Tinha crises de choro que o destroçavam.”

Continua Vigorelli: “(...) além do silencio, foi-lhe também imposto o exílio (...). Morria de dor por aquele exílio prolongado. Suplicou, muitas vezes, aos superiores um regresso, ainda que breve, à Europa, à França (...), as perseguições não cessavam (...). Não lhe era proibida qualquer tomada de posição teológica e filosófica, mas se chegou, depois do seu último afastamento de Paris, a negar-lhe também o livre exercício da sua atividade científica (...). Objetavam-lhe: “Porque levanta todos estes problemas e não se contenta a ensinar o catecismo? (...). Mas aqueles problemas não era Teilhard que os levantava, eram os seus contemporâneos a propô-los, e não podia iludi-los”.

“Morreu em 1955 em Nova York, seu último exílio depois de outros, longuíssimos (...). O seu enterro não foi acompanhado por mais de dez pessoas (...), ali ficou, uma vez mais no exílio e não foi ainda permitido trazer para sua pátria os seus despojos mortais (...).”

“Ele obedeceu e não se revoltou nunca; mas, ao mesmo tempo, Teilhard tampouco renunciou à sua verdade, negando-se a considerá-la uma heresia, porque a ciência a legitimava e demonstrava (...), obedecia, baixava a cabeça (...), mas não aceitou, na menor coisa, renegar as suas ideias ou sequer suavizá-las. A solução que Teilhard deu à crise foi: nenhuma ruptura; nem intolerância, nem desobediência, velhos recursos, táticas lesivas(...). O importante era permanecer fiel às suas próprias ideias (...). As ideias devem esperar o seu momento apropriado. A paciência, se é secundada pela intrepidez, pode valer mais que a revolta. Teilhard não se revoltou, mas nunca se deteve. Não abdicou. Rejeitou qualquer compromisso (...). Teilhard não foi nunca contra a Igreja: quem sabe se neste momento é a Igreja que não pode mais ir contra ele (...). “Não posso mudar”, dizia, e não mudou nunca: a esperança nunca o abandonou, nem a certeza, que um dia os seus adversários mudariam; um pouco de tudo isto já está acontecendo”.

Vimos, assim, com respeito a Teilhard, a sua vida de condenado, a sua atitude perante a autoridade. Penetremos agora no seu espírito para compreender “os segredos mais profundos que se debatiam somente na sua própria consciência, num diálogo direto com Deus”. Em Teilhard existe uma “exaltação religiosa, até mesmo mística, que chega à exuberância, investe e transcende a sua obra, à qual ficou ligado toda a vida, se não lhe serviu de salvo conduto para a Igreja, seguramente o foi perante Deus”.

Que nos ensinam estes fatos relatados aqui? Diante do mundo: incompreensão, condenação, martírio. Diante das ideias, próprias, das quais em consciência se está convencido: fidelidade absoluta. Obediência, submissão, humildade, tudo de exterior e formal que o mundo exige; mas inviolável liberdade do espírito, tudo o que de interior e substancial o mundo não vê. Perante Deus: comunhão, exaltação, segurança. Qual é, portanto, o balanço de quem se encontra como Teilhard? Não passivo, está o ataque do mundo (o silêncio imposto, o exílio), a suportar com paciência, mas fazendo dele um meio de santificação. Não existe nada tão grande como a inocência perseguida, que sofre para respeitar um ideal de ordem e disciplina. Este castigo tem valor e dá o seu fruto. É lógico, culpa e dano perante o mundo se transforme em virtude e recompensa perante Deus. Existe assim também o ativo dado pela própria santificação, pela afirmação da inviolabilidade da liberdade do espírito, e sobretudo por sentir-se puro perante Deus e pela satisfação de gozar no íntimo da própria consciência, do Seu consentimento, vizinhança e ajuda. É, segundo a sua natureza, revelando-se, que o indivíduo escolhe colocar-se do lado do mundo ou do lado de Deus. Estes são problemas que não interessam à maioria, que não está nestas condições, mas que são graves e vivíssimos para o homem espiritual que nelas se encontra.

O que queremos conhecer bem é o ativo que leva tal indivíduo a viver, com que forças pode sustentar-se para resistir àquela sufocação de alma. Se o dever da obediência procura matá-lo nas suas mais altas inspirações, deve aceitar a sua morte espiritual, ou seja, consentir no seu próprio suicídio? Não. Ele tem dois imensos recursos para sobreviver, não obstante a renúncia espiritual e obediência que se lhe impõem: tem para si a inviolabilidade do espírito, no qual nenhuma autoridade humana pode penetrar e a sua consciência tranquila perante Deus, convencida da própria retidão e inocência. Deste modo, traz consigo a sensação da presença de Deus e a segurança do Seu consentimento e ajuda. Sabe que existe um outro tribunal superior a todos os do mundo, uma justiça que não erra. Nesta confia e a ela se entrega. Vê-se possuindo uma riqueza de potência, de segurança e de paz que ninguém lhe pode tirar. Refugia-se em Deus e nenhum tribunal humano poderá alcançá-lo. Esta é a força do mártir: a derrota terrena, diante de Deus, é triunfo.

Há ainda mais. As leis da vida garantem, pois, o último triunfo do ideal, por ele, o homem espiritual se sacrifica. Diz o citado volume: “Depois de cinquenta anos de proibições e de admoestações, as ideias revolucionárias de Teilhard abrem caminho: O Concílio Ecumênico, que está em curso, no fundo e por necessidade, está entrando no sulco salutar daquelas ideias; e a Igreja terá tudo a ganhar e nada a perder, se se decidir a absolver Teilhard, depois de ser ignorado, contrariado, condenado (...). É um ato de liquidação a era constantiniana e do espírito sectário da Contra-Reforma (...). O concílio parece disposto a decifrar a ansiedade espiritual do homem de hoje (...). É um programa indubitavelmente teilhardiano”.

Quem conhece as leis da vida sabe que o fenômeno deve realizar-se deste modo, esta é a linha natural do seu desenvolvimento. Quando se submete a estas leis, e espontaneamente aceita tudo isto por convicção. A evolução deve ser o resultado de um esforço; a sua realização, o prêmio de uma fadiga. Esta pertence, por direito, ao mais evoluído que avança à frente dos outros, representando, por sua vez, a resistência a vencer, o obstáculo a superar, as trevas a iluminar. O mundo está embaixo, na retaguarda da evolução; em direção ao alto se lança o evoluído, para a frente, avançando em direção a Deus distanciando-se do mundo. Não está do lado do mundo, mas do lado de Deus, que o espera, convida-o, impulsiona-o para diante, atraindo-o e ajudando-o. A grande força, a potente indenização do condenado, mesmo que o tenha sido em nome de Deus, é estar ao lado da verdade, do justo, de Deus; é encontrar-se ao lado da Sua Lei, esta determina que no fim o bem vence o mal, a afirmação domine a negação. A força de quem sofre lutando pela verdade é está: o indivíduo trabalha para avançar na direção que a evolução determina, sendo arrastado, em cheio, pela sua corrente. O idealista, hoje, condenado, sabe que a ele pertence o futuro. Leva consigo o impulso irresistível da divina vontade da evolução que exige a ascese. É, precisamente, através dele que tal impulso se realiza, conduzindo tudo e todos onde quer, isto é, em direção a Deus. Que poder têm os homens contra quem tem a seu favor as leis da vida e a ajuda de Deus? Quem alcançou o plano do espírito vive por cima do mundo. Nenhuma pressão ou submissão pode agora alterar tal estado de fato. Quem viveu tais experiências pode compreender o que estes conceitos significam.

Observando as coisas de outro ponto de vista, poder-se-ia perguntar: têm os tribunais humanos o direito de infligir dores a um inocente? Mesmo segundo as leis do mundo, não é abuso de autoridade? Isto se justifica pelo fato de que a sua função é a de defender o grupo e, na desesperada luta pela vida, não há lugar para a debilidade. O grupo reclama o seu direito à legítima defesa da sua existência e, portanto, é justo esmagar qualquer um que atente contra ele. As forças em defesa do inovador condenado não devem vir da Terra. Esta representa a parte inferior da existência, a parte negativa, adequada à resistência. Aquele indivíduo pertence, pelo contrário, ao céu, que representa a parte superior, mais vizinha de Deus, parte positiva e dinamizante. Neste caso, verifica-se o mesmo antagonismo que, imediatamente, estabeleceu-se entre Cristo, o maior dos inovadores em favor da evolução humana, e o mundo disposto a ser Seu inimigo, à redenção respondeu com a crucificação.

Para quem compreendeu a estrutura do fenômeno, tudo está, portanto, no seu lugar; cada um atua e com isso revela a sua natureza. Devido ao estado involuído da humanidade, não é possível obter-se coisa melhor. Certamente, amanhã, graças ao trabalho de mártires inovadores, o mundo será diferente. Isto lhes corresponde o trabalho de transformar a humanidade com o seu próprio sacrifício. O caso de Cristo nos mostra que como, também com Ele, em idênticas condições, verificou-se o mesmo fenômeno: compreender a classe sacerdotal no momento em que se propõem as inovações. Mas, que mais pode pedir o condenado senão estar do lado de Cristo, ser tratado como Ele o foi, sofrer como Ele sofreu pelo progresso, que é redenção, junto a Ele, irmanado na mesma dor pela mesma causa? Que honra, que alegria, que amor existe maior do que este? Que se pode pedir mais?

Cada um reage segundo a sua natureza, demonstrando-a. O primitivo rebela-se contra a autoridade, atua imediatamente segundo a lei da luta, a lei do seu plano, manifestando a sua involução. O evoluído, ao contrário, pensa no “perdoa-lhes porque não sabem o que fazem”, e obedece. Mas pode refugiar-se no céu, onde a autoridade não o alcança, perante o tribunal de Deus, onde os homens não são admitidos a julgar.

Uma humanidade, mais inteligente e civilizada, um dia, saberá evitar os conflitos dolorosos de consciência, saberá defender a fé, mais por convicção do que por obrigação, saberá abrir os braços, compreendendo os novos problemas e necessidades, a quem tem sede de verdade e honestamente a busca, em vez de afastar a quem pede mais luz. Tais casos, como o de Teilhard, não deviam mais poder surgir. Se eles se verificam, se o investigador honesto tem de refugiar-se em Deus, apelando a Ele, é porque há alguma coisa que não funciona no sistema atual. Por que sepultar, enterrar no silêncio, oprimindo as consciências, certos problemas novos que o mundo tem necessidade de resolver para poder continuar a crer como deseja, e não pode porque não chega a ver claro, como hoje a mente mais madura o exige? Não se pode impedir de pensar a quem tem cabeça, que não pode ser cortada somente porque a quem não a tem não lhe apetece pensar. Quando pensar se torna uma coisa proibida, pensa-se então por conta própria, fora das religiões, que ficam a um canto como coisa inútil. Para elas isto significa falência e morte. O investigador honesto, por sua vez, está obrigado por consciência, para resolver os problemas que mais o preocupam, a discordar de quem entende a fé como inércia espiritual e a construir a sua religião. É condenado por delito de preguiça, no entanto, representa a levedura do espírito e é mais crente e religioso do que os ortodoxos. Obtém-se, com isto, um rebanho de adormecidos, agradáveis porque obedientes, mas passivos e inúteis perante Deus.

Um espírito antievolucionista pode representar as forças negativas, cuja função é de deter a ascensão em direção a Deus. Ficar quieto, abaixando todos ao nível dos mais inertes, pode constituir um delito contra a evolução espiritual, que devia ser a maior finalidade das religiões. É certo que se deve controlar e disciplinar para não gerar anarquia, mas, paralisar, mesmo em nome de Deus, é contra o próprio Deus. A função das religiões termina e elas atraiçoam o seu fim quando o indivíduo, para encontrar luz e compreensão, deve dirigir-se a outro lugar. A autoridade é espiritualmente derrotada quando surge um conflito entre ela e a consciência, e o honesto se encontra convencido do seu dever de obedecer a Deus em vez de obedecer à autoridade humana. Não é lícito violar o sagrado direito de pensar e de procurar a verdade. Pode até mesmo acontecer: quem formalmente esteja fora de uma religião seja mais religioso e esteja mais próximo de Deus do que quem esteja dentro, em plena ortodoxia.

As reabilitações póstumas não podem sanear a condenação. Como são tardias, não servem para a obra do missionário, mas somente aos outros para seus fins. Aquele tem necessidade do consenso de seus contemporâneos, de uma ajuda em vida, de uma compreensão imediata do seu próprio tempo, que o mantenha na função de produzir. Acercar-se do próximo com compreensão pode ser uma forma de caridade cristã, de amor evangélico, sendo anticristão o contrário.

Nas religiões deveria existir uma seção de livres investigadores, uma espécie de laboratório para as experiências do espírito, um instituto de investigação religiosa. Diz Teilhard: “Estou preocupado com o fato de que à Igreja falta um órgão de investigação (diferente de tudo o que existe e se desenvolve à sua volta) (...). Esta investigação é uma questão de vida ou de morte (...). Fato que pode surpreender os teólogos na sua vida tranquila (...). Há, hoje, problemas que queimam, que ninguém coloca claramente, nem defronta senão nalguma conversa privada. Existem ideias, ainda em bruto e parcialmente equivocadas, mas libertadoras, que germinam e morrem no espírito de indivíduos isolados. Necessitaria, penso, de um órgão para recolher, centralizar, purificar tudo isto; quase diria um “laboratório” dedicado a estas experiências (...). Isto para prevenir um cisma entre a vida humana natural e a Igreja.”

De fato, o cisma atual é o mais perigoso, porque não se apresenta na forma já conhecida, ou seja, com o surgir de uma nova religião inimiga que se pode combater como no passado, mas aparece com a morte do espírito e do sistema de todas as religiões, com o seu apagar-se no materialismo e na ciência, que simplesmente não as tomam mais em consideração. Assim, no meio da diferença geral, o pensamento dirigente não se interessa e as abandona.

O objetivo da intuição, antes mencionada, deveria ser, ao lado do reconhecimento da necessidade de conservar, também o da necessidade de progredir. Como na ciência, também nas religiões, a investigação deveria ser livre, não fechada e condenada. As várias doutrinas deveriam ter, como tudo o que existe, também uma porta aberta para o caminho da evolução. Seria necessário superar aquela psicologia morta, pela qual comodamente se afirma que todos os casos possíveis já foram vividos, que por experiência dos séculos a todas as objeções já foi dada resposta, de modo que tudo já está previsto e resolvido. O fato é que, enquanto as religiões procuram detê-lo, o pensamento humano caminha e, porque estas o querem deter, ele se pôs a caminhar por sua conta, fora das religiões que são deixadas para trás e esquecidas, com todo o devido respeito, no meio das coisas velhas que não servem mais e se põe no museu. Assim nasceu a indiferença, o materialismo, o ateísmo e outros males semelhantes. Os micróbios patogênicos estão por toda a parte; mas o seu ataque vitorioso depende da nossa predisposição e debilidade orgânica. Ninguém pode fugir às leis da vida, que está pronta a liquidar tudo e não serve mais para a função que cada um deve cumprir.

3) A paixão por Cristo, racionalmente concebido como ponto de convergência da evolução da vida.

Também em Teilhard encontramos uma concepção mais ampla de Cristo. Aparece-nos assim a visão de um Cristo universal, quase diria super-religioso, num sentido que está por cima do sectarismo separatista no qual tendem a dividir-se as religiões; um Cristo que, em vez de isolar-se numa delas em oposição às demais, tende a uni-las todas, sendo concebido com a forma mental da imparcialidade científica, em termos vastíssimos em relação com as leis biológicas, como ponto de convergência e última meta divina da evolução da vida.

Trata-se de um Cristo muito maior, eixo espiritual do mundo, alcançável tanto pelas vias do misticismo, quanto pelas vias da ciência, ponto Ômega desta como o é da fé, significado e conclusão da história, princípio, guia e cume da evolução, só hoje concebível desta maneira devido à atual maturação do pensamento humano. Um Cristo total, não só religioso, fechado no passado, mas também progressista, atual, social, um Cristo que aceita a luz que vem do pensamento científico e reconhece o caráter sagrado da investigação, nobilita-a e santifica, porque é santo todo o conhecimento, como função e produto do espírito; um Cristo que não está contra mas com a ciência, com a ânsia de saber, com o espírito da indagação, com a paixão de evoluir; um Cristo que agora se desenvolva em dimensões vastíssimas, dentro da mente humana, hoje apta a concebê-Lo com outras medidas, mais racional, presente, dinâmico, universal, unitário, síntese suprema de fé, de pensamento, de vida.

É necessário assim refazer o nosso conceito do Cristo, que permaneceu entre nós como imagem feita de matéria, o Cristo crucificado e morto, para recordar-nos, para vergonha nossa, daquilo que fizemos Dele. É necessário fazê-Lo sair dos esconderijos onde parece ter-se refugiado, escapando do mundo, e onde jaz coberto de pó, atrás dos utensílios do culto, a fim de que ressuscite vivo entre nós; um Cristo que está conosco em todas as horas, com Quem convivemos dia e noite, assiste a todos os nossos pensamentos e obras, toma parte em nossas alegrias e dores, não um Cristo com o qual nos encontramos em horas fixas, ou quando decidimos penetrar no recinto dos templos, onde o isolamos fora de nosso mundo. Um Cristo imanente, próximo, que conosco enfrenta os nossos problemas e nos ajuda a resolvê-los, em vez de desaparecer transcendente nos céus, inalcançável na sua glória; um Cristo orientador da dinâmica da vida, operando junto de nós no imenso esforço criador da era moderna, potencializando-o com os Seus imensos valores espirituais. Um Cristo não mais monopolizado nas mãos dos seus ministros e fechado no âmbito de uma só religião; um Cristo a ser venerado, sem ter que litiga-Lo com as outras religiões, amar sob outras formas ainda que não ortodoxas; um Cristo que se avizinha dos espíritos com amor e não apenas para julgar e punir; que não os afasta com os raios da vingança; um Cristo feito de concórdia para fundir e não de rivalidade para dividir, é seguido porque convence e convence porque fala com compreensão à inteligência, em vez de apenas condenar como perseguidor de heréticos. Um Cristo refúgio de pureza, fora de toda a sujidade humana, mesmo daquela escondida sob as aparências de religião.

Eis algumas palavras de Teilhard de Chardin na sua Messe sur le Monde: “Já que, Senhor, aqui nas estepes da Ásia, eu não tenho nem pão, nem vinho, nem altar, elevar-me-ei por sobre os símbolos, até à pura Majestade do Real, e vos oferecerei, eu, vosso sacerdote, em cima do altar da terra inteira, o trabalho e a dor do  mundo (...). O meu cálice e a minha patena são a profundidade de uma alma amplamente aberta a todos os esforços que se estão elevando de todos os pontos do globo a fim de convergirem no espírito (...). A oferta que Vós, Senhor, verdadeiramente esperais, não é outra senão o engrandecimento do mundo agitado pelo transformismo universal”.

Cristo pertence a toda a humanidade, e nenhuma religião pode possuí-Lo com exclusividade. Não se pode isolar num templo particular, num grupo humano, porque Ele está no centro da biologia universal do espírito. É este Cristo de dimensões cósmicas, superior a todas as formas e dimensões humanas, situado no centro de uma super-religião de substância, no vértice da evolução da vida no planeta, nos antípodas da nossa baixa existência terrena, sempre presente para sanar com o Seu divino esplendor a nossa cegueira, e com a Sua potência e bondade as misérias de nosso pobre mundo: este é o Cristo que, junto a Teilhard, eu venero e amo.

II – Ciência e Religião

Voltamos a falar, para compreendê-lo melhor, do pensamento de Teilhard de Chardin. Observando os fenômenos, sobretudo no seu íntimo significado, ele chegou a uma visão do plano geral da existência, no qual domina o princípio da evolução, que faz do ser um transformismo em marcha. O conhecimento do passado hominal fez entrever a Teilhard as perspectivas em direção às quais se encaminha aquela marcha e, portanto, aquilo que o homem poderá no futuro realizar na Terra. Então Teilhard se sentiu iluminado por uma súbita luz orientadora. Se tudo caminha, é porque tudo se dirige a uma meta que com este movimento se deverá alcançar; tudo tende a completar-se e aperfeiçoar-se, porque sobe de encontro a um centro, em direção ao qual tudo quanto existe se eleva à medida que vai evoluindo. Não se trata de um centro físico do universo, mas de um centro-síntese, no qual a pulverização fenomênica se coordena, se organiza, chegando assim, da dispersão periférica a um estado unitário, orientado em direção àquele centro. A evolução se nos revela como fenômeno múltiplo, se síntese, que realiza muitas coisas: não apenas a ascese, o aperfeiçoamento, o melhoramento; não só alcança a complexidade e a organicidade, mas também a unificação. O ponto de chegada é o todo-uno.

Quando a consciência de uma verdade tão vasta e poderosa lampejou no seu espírito, Teilhard não pôde deixar de gritar: Eureka! Tinha-o conduzido até ali a ciência com o seu passo seguro, apoiada nos fatos. Não podia, portanto, duvidar. Tudo isto lhe diziam os fatos com mil vozes concordantes e convergentes. Então ele, tendo-se dado conta que este era o significado da existência, não pôde deixar de ver as consequências desta sua descoberta. Eis como acabou por dedicar-se, além da ciência, à filosofia, à metafísica e à teologia.

Ora, todo grupo humano de qualquer espécie, toda escola filosófica, religiosa, teológica etc. têm o seu patrimônio de ideias e terminologia própria, a sua linguagem particular, a sua forma mental, que enquadram o pensamento, cristalizando-o; e dentro dela pretendem encerrar e limitar também o pensamento de quem ataque de frente os problemas por eles tratados. Se depois, aquele pensamento chegou a uma fase avançada de velhice e de consequente cristalização, e fixou-se numa codificação de normas mecânicas para uso de uma determinada organização humana, tudo se estanca e, naquele campo, a evolução para. Então o novo é simplesmente julgado errado e portanto condenado. As verdades tratadas por aquele grupo e escola tornam-se propriedade sua, e portanto reservadas e intocáveis. De resto, isto é justo porque foram construídas por eles, que assim têm o direito de possuí-las em exclusividade e de defendê-las como coisa própria. O erro está em querer dar à posse da verdade um sentido diverso e maior do que de legítima propriedade reservada para uso e vantagem de quem a possua. O erro está no fato de que os grupos e escolas pretendem dar um valor universal, eterno, absoluto, às suas verdades particulares que, como tudo na Terra, não podem ser mais do que relativas e progressivas no tempo.

O que aconteceu então a Teilhard? Aconteceu o que acontece a todos inovadores que viram mais longe do que os outros aos quais quiseram fazer ver mais longe também, para além dos limites das verdades já vistas e codificadas por eles. É neste ponto que aparecem as condenações. Os precursores, desde Cristo a Galileu etc., são condenados como heréticos. Estamos observando imparcialmente um fenômeno que se apresenta o mesmo em todos os tempos e lugares, religiões e partidos, porque se trata de um fenômeno biológico que se verifica segundo uma lei da vida, toda vez que um indivíduo mais progressista queira arrastar os mais atrasados para frente no caminho da evolução.

Desse modo, Teilhard, uma vez iluminado pela visão de uma verdade muito mais vasta e convincente, se sentiu impulsionado a gritá-la ao mundo. Foram novos conceitos, com nova linguagem, porém dissonantes para os ouvidos habituados à velha terminologia tradicional, estranhos e inaceitáveis para a forma mental acostumada aos destilados processos lógicos da filosofia e teologia, um terremoto numa cidade adormecida, uma tempestade de absurdos sobre um lago tranquilo ou sobre um jardim bem tratado. Então os conservadores se precipitam em levantar barreiras de defesa, para calar aquele escandaloso “eureka” que pretendia tudo resolver, fazendo abandonar a velha estrada sobre a qual caminhava tão bem a sua antiga sapiência.

Este foi o martírio de Teilhard, como o é de todos os inovadores: tropeçar nestes obstáculos colocados no meio do caminho para que a evolução se detenha. Tropeçar, cair, lacerar-se a carne, porque quem é velho teve tempo de tornar-se poderoso na Terra, e tem bem agarrado nas mãos o fruto do trabalho executado no passado, a propriedade adquirida de conceitos, doutrinas, organizações, instituições, leis, autoridades etc., e quem é velho, está por lei biológica, pronto a usar estas suas forças como arma para defender a sua sobrevivência.

Mas a visão de Teilhard é esplêndida. Ele a vê e fica por ela fascinado. Os outros não a veem e a negam. Mas porque as autoridades condenam com tanta pressa? Talvez porque tenham medo do novo? Certamente que, dada a estrutura das leis da vida, o novo deve representar para o velho uma ameaça contínua porque tende a superá-lo para substituí-lo.  É a vida que avança. Assim se explica esta reação. Mas Teilhard viu e não pôde calar. Discute-se nos ambientes tradicionais se ele podia ou queria fazer teologia ou filosofia. Ora, se é justo que a solução de determinados problemas constitua uma propriedade reservada porque é o produto de certos ambientes particulares, nem por isso se pode declarar que tudo seja reservado como propriedade com o propósito de excluir os outros de um dado terreno fenomênico, de um dado tipo de investigações e conclusões, de um setor do conhecimento. Como é possível pôr limites ao pensamento humano, com que direito proibir ao cientista de ultrapassar os resultados imediatos, como impedi-lo de olhar mais longe do que eles e assim sair do terreno da ciência para expandir-se no da filosofia, metafísica e teologia? É impossível seccionar o conhecimento em compartimentos estanques, isolar um problema dos outros, deter-se no exame de um fenômeno e de uma lei sem ver em cada campo todas as consequências. Isso é impossível num universo unitário, regido por um princípio central único, mesmo que depois deste se vá tudo subdividindo em infinitas ramificações.

Como pretender de quem tenha visto o novo não seja imediatamente levado a colocá-lo na vida, no lugar do velho? Impedi-lo é atentar contra o progresso, é delito de lesa-evolução. Quem viu é levado a transformar-se em reformador, para fazer progredir o mundo. Eis uma razão mais para reforçar a condenação por parte dos poderes constituídos.

O problema é este: trata-se de indivíduos mais evoluídos, e por isso mesmo é difícil que possam ser subitamente compreendidos e aceitos. Eles, porque mais avançados, veem que muitas posições estão ultrapassadas e que necessitam renovar-se. Os outros, menos evoluídos, não se dão conta de nada. Para eles o mundo encontra-se bem, e deve permanecer como está. Ressurge sempre o princípio biológico da luta. Os jovens rebentos devem abrir caminho à força entre as ruínas das velhas árvores decadentes, que não cedem o posto à nova vida enquanto têm forças para resistir.

Como pode um cientista que viu, não fazer da sua ciência também uma filosofia e teologia, invadindo mesmo que não o queira, estes terrenos reservados? Ele sente que sua filosofia e teologia são as do futuro, aquelas que o mundo procura, porque quer viver e resolver cada vez melhor os seus problemas. Instintivamente sente que se renunciasse a ocupar-se deles, adormecendo sem lutar para avançar, ficaria abandonado, à margem do caminho da vida.

Quando num terreno encontramos escrito: “propriedade reservada”, “proibido o ingresso a estranhos”, seguimos para outro lado. E a bela propriedade fica intacta e deserta. Mas ela se torna vazia e morta, porque então a vida que ninguém pode deter, vai desenvolver-se noutro lugar, porque não é habitável uma casa que foi reduzida a um museu de antiguidades. Foi para evitar tudo isto, se bem que, por obediência, lhe era proibido, que Teilhard quis entrar como cientista, com conceitos novos e vivificantes, nos terrenos reservados a filosofia e a teologia.

A teoria evolucionista dá-nos um conceito novo do universo e da existência. O todo não foi feito por Deus de uma só vez para sempre, de improviso, num dado momento, mas antes se está continuamente formando. O todo é resultado de uma criação contínua, obra de um Deus sempre ativo e presente, não de um Deus que uma vez o construiu, se afastou da criação para ficar inerte a contemplá-la do alto da Sua glória, separado do fruto do Seu trabalho, que continua estaticamente a existir por si mesmo, agora independente da obra do Seu criador. Para imaginar a atividade de Deus, o homem não tinha na sua mente outro modelo senão aquele que ele podia ver na Terra, quando alguém constrói qualquer coisa; e o homem inconscientemente aplicou a Deus esta sua concepção antropomórfica, da qual de resto não lhe era possível sair, porque não lhe era possível superar os limites dentro dos quais estava encerrado o seu concebível, fixados pela sua experiência.

Hoje a concepção antropomórfica e estática da Bíblia tende-se a substituir outra dinâmica, mais verossímil, que melhor convence a mente moderna, mais madura. É certamente laboriosa mas fatal a superação dos velhos conceitos tradicionais. O homem não é já considerado segundo uma concepção egocêntrica, que o torna único objetivo da criação, situado num planeta que é o centro do universo. O orgulho pode ser considerado culpa quando há um rival que por ele se sente lesado, e por isso o condena. Mas quando o orgulho é de todos, torna-se uma auto exaltação coletiva; ao faltar a reação contrária ele é aceito por consenso universal e, sendo vantagem para todos, torna-se verdade. Hoje vemos o homem como elemento de uma imensa unidade orgânica. Ele não nasceu de uma vez, feito num só momento, é antes o resultado de um longo caminho percorrido, de formas biológicas inferiores superadas, que o precedem e que encontram nele a razão da sua existência, a continuação do seu caminho, a coroação da sua obra evolutiva.

Concepção nova, tanto mais vasta e dinâmica e que nos abre a mente para horizontes imensos. Ora, já que a ciência nos mostrou, saibamos que existe um caminho evolutivo, e que grandiosa visão se abre diante de nós se pensarmos até onde aquele caminho poderá levar-nos! Religião, ética, espiritualidade, ideais, tudo adquire um significado positivo, uma possibilidade de atuação concreta. Estas abstrações entram vivas e atuantes em nossa existência, não só como aspirações, mas para se realizarem em função do grande fenômeno da evolução. Só assim poderemos retirar as velhas concepções filosóficas e teológicas das estantes poeirentas, onde têm sido respeitosamente conservadas, e trazê-las para junto de nós para que se transmudem em formas de vida. Deveríamos compreender que o novo não surge para matar o velho, mas somente para substituí-lo, a fim de que a vida, que fatalmente lhe escapa, continue em novas formas, que não o excluem, mas somente o completam e fazem avançar o passado. Não há doutrina religiosa que possa deter estas leis, que são as leis da vida. Eis o que querem os inovadores, e através deles com seus instrumentos, eis o que irresistivelmente a evolução impõe-se.

Do evolucionismo nasce uma moral dinâmica para o lugar da velha moral estática. A nova ciência diz-nos que a vida evolui em direção à espiritualização e que nela consiste o nosso futuro. O passado mostra-nos qual deverá ser o futuro, porque este não pode ser senão o prolongamento daquele, a sua continuação lógica. Eis que a nossa vida adquire um significado profundo porque existe na direção de uma meta que podemos racionalmente prever qual seja. Caminha-se e sabe-se para onde vai. Do que nos mostra a nossa história geológica e paleontológica, podemos positivamente deduzir qual será o nosso futuro. Caminhamos em direção a novas grandes afirmações no campo intelectual e espiritual, com infinitas consequências de todo o gênero. Tudo assume um valor construtivo. O processo evolutivo tem as suas leis, mas o trabalho de realizá-lo está em nossas mãos. Somos nós que temos de executá-lo. Nós próprios somos os construtores de nós mesmos, cooperando com a contínua obra criadora de Deus. Nunca estamos sozinhos. Todas as outras formas de existência estão junto de nós e vão avançando conosco no mesmo caminho. A ciência já começa a coser os retalhos da especialização em que se ramifica e subdivide, e se dirige para uma síntese. Ligando os vários momentos do conhecimento, orienta-se em direção à unificação de todos os fenômenos num princípio central. Fatos isolados, dos quais primeiramente não se conhecia o nexo recíproco, se integram numa complexidade orgânica e funcional até formar uma imensa sinfonia, na qual se sente que deve consistir a suprema visão do universo.

Será irreligioso tudo isto? Mas esta é precisamente a mais elevada religião do futuro, a do homem inteligência e consciente, que substituirá o homem ignorante e instintivo de hoje. E a ética se transformará paralelamente. A esta religião maior, será possível que as atuais façam resistência. Vivemos hoje no momento crítico do emborcamento, isto é, no ponto em que o homem, por haver avançado ao longo da evolução, se vê obrigado a inverter a sua posição, porque não gravita mais em direção ao polo negativo do ser, representado pelo fundo da involução que chamamos de anti-sistema (AS), mas em direção ao polo positivo, representado pelo vértice da evolução, seu ponto de chegada, que chamamos sistema (S). Isto é, o homem, à força de subir, evoluindo do anti-sistema para o sistema, acaba por entrar no campo gravitacional prevalentemente positivo, saindo e afastando-se cada vez mais do que é prevalentemente negativo.

Esta é a mais profunda revolução da vida, porque agora muda o seu centro de atração e se inverte do negativo ao positivo o sinal do seu campo de ação. De hoje em diante tenderá a prevalecer o positivo sobre o negativo. Positivo e negativo significam dois tipos de existência oposta, sendo o segundo o dos planos inferiores, e o do primeiro o dos planos superiores, mais evoluídos.

Claro que se trata de conceitos novos, que também nós, junto com Teilhard, sustentamos, diferentes apenas nos detalhes, e não é de surpreender que desconcertem as velhas formas mentais que a eles não estão habituadas. Se bem que a maneira de ver de cada um seja diferente, o pensamento fundamental que rege o universo é uno, e não pode deixar de se perceber uma vez que o indivíduo tenha os olhos adaptados e saiba abri-los para ver. É natural que conceitos e terminologia sejam diferentes. Não mais oposição entre espírito e matéria. Estes não são mais do que pontos diversos de um mesmo transformismo fenomênico. Física e moral baseiam-se num princípio comum. Ciência e espírito, conhecimento e moral, têm as mesmas raízes. E Teilhard não podia deixar, ele também, de ver a unidade fundamental de todas as coisas. Quem viu compreende, e ama a Teilhard porque também viu. Quem não viu não compreende e condena porque não sabe usar a sua pequena e velha medida feita para medir limitados conceitos antropomórficos da Terra, e não as ilimitadas concepções galáticas do homem do futuro.

É natural, partindo de gigantescas premissas, que já não seja possível concluir unicamente em favor de um grupo particular humano. Superada a forma mental egocêntrica, que criou para si um universo antropomórfico, já não é possível dos princípios ideais fazer um meio para sustentar interesses humanos. Deverá assim automaticamente desaparecer o sectarismo partidário e o separatismo religioso. Estas são as fases primitivas do pensamento religioso que para descer à Terra, foi obrigado a submergir-se na sua lei, que é a luta de todos contra todos pela sobrevivência. A religiosidade do futuro transcende a Terra, o nosso mundo, as suas organizações, e não pode encerrar-se nas fórmulas de uma qualquer particular religião, isolada das outras, num clima de divisionismo, pela sua diversa interpretação da mesma verdade, rivais, dispostas a combater-se umas às outras. A cosmogênese não pode culminar e exaurir-se num só profeta. Trata-se de uma religiosidade tão vasta que pode abarcar todas as formas de vida, incluindo a que se encontra na matéria, incluindo a dos outros seres que vivem nos planetas das mais longínquas galáxias. Os conceitos tradicionais não servem mais. Mas isto não significa destruição; é ampliação. Está para surgir um novo testamento de todas as religiões, que inicialmente, as fundirá, ou, pelo menos, as aproximará uma das outras, irmanando-as como se constituíssem aspectos diversos e complementares da mesma verdade. Sem destruí-lo, este novo testamento não só continuará o velho, respeitando-o, mas o ampliará, completando-o ele será oferecido pela ciência a uma humanidade que sentirá a necessidade e terá a capacidade de compreender, a qual sucederá à humanidade do passado, que sem tal necessidade e capacidade, e não sabendo fazer outra coisa, limita-se a crer.

O que pode impressionar o homem é a angustiosa sensação de sentir-se um átomo perdido na imensidade do universo. No passado foi o medo das feras, do inimigo, dos elementos desencadeados. Hoje a ciência lhe fez ver um infinito cheio de novos mistérios, de vazios, de possíveis perigos ainda maiores. E quer chegar até à lua para saber o que lá existe. Deste medo nasceram as religiões para nos dar uma proteção, tornando-se propícia a divindade; foi delas que nasceu a fé para consolar-nos, suprindo com isso tudo que ainda não se sabe. Mistérios, religiões e fé estão de fato unidos por estrito parentesco.

Ora, a tarefa da evolução humana é aquela que a ciência hoje está realizando, isto é, a de substituir cada vez mais o mistério e a respectiva fé pelo conhecimento; é a de mudar a posição do homem afastando-o cada vez mais das trevas, da ignorância (AS), em direção à luz e ao conhecimento (S). Crer segundo as religiões, mas conhecer cada vez mais segundo a ciência; isto é, crer cada vez menos com os olhos fechados, como ignorantes, e cada vez mais com os olhos abertos, conhecendo; empurrar sempre o mistério para mais longe de nós, iluminando a estrada com a nossa inteligência. Fazer isto significa descer Deus cada vez um pouco mais à Terra, e nós não ficamos passivos na expectativa. Devemo-nos tornar ativos, manifestando a nossa vontade e esforço de conquista. No entanto vemos que do mistério se procurou fazer um cômodo refúgio para que nele se aninhem os preguiçosos, inimigos de toda a febre de pesquisa e de toda a novidade que perturbe o seu sono. Mas Deus quer o nosso progresso, quer que seu pensamento e sua vontade se realizem cada vez mais em nossa vida; quer que O compreendamos e com ele colaboremos como seus operários, para subir. Mas Deus não desce a Terra gratuitamente. O homem deve realizar o esforço de elevar- se em direção a Ele, para Dele extrair aquilo que pode sentir e compreender. Cabe- nos subir a montanha da evolução com nossas pernas. Devemos carregar a cruz da redenção em nossos ombros, porque é absurdo servirmo-nos dos ombros de Cristo para que seja ele o crucificado em vez de nós.

A ciência é um esforço da inteligência para subir a Deus, mesmo quando O nega, porque nesse momento ela representa a tarefa de resolver os problemas e descobrir a verdade com seu próprio trabalho, por si mesma, em vez de aceitar tudo pela fé, gratuitamente, já resolvido, sem labor a não ser o de abandonar-se passivamente nas mãos de um Deus, invocado por nós para nos socorrer. A época da concepção estática do universo e da vida está superada, a que encorajava a nossa inércia mental, qualificando-a como virtude. Hoje abre-se o caminho para a concepção dinâmica, que nos diz que o paraíso não se conquista só negando a vida terrena com a renúncia, mas sobretudo afirmando-se de um modo positivo, com o trabalho e a conquista no terreno do pensamento e do espírito. Então, se a ciência foi em princípio considerada inimiga das religiões, porque perturbava o sono de quem se tinha dentro delas acomodado (inimigo das descobertas destrutivas do mistério, elemento de domínio). Hoje a ciência representa o caminho para chegar à religião do futuro que, como a ciência, será universal, sem possibilidade de escapatórias, verdadeira para todos, convincente porque demonstrada pela lógica e pelos os fatos. Uma religião que, por ser demonstrada pela lógica e pelos fatos. Uma religião que, por ser mais inteligente e consciente, representará uma posição espiritual mais avançada, um maior grau de compreensão do pensamento de Deus.

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Se Teilhard de Chardin não pôde deixar de gritar: “Eureka”, quando teve a visão da unidade orgânica do universo, assim também não pode deixar de gritar “Eureka” quem, tendo obtido por sua conta a mesma visão, se apercebeu de que já não se encontra mais só, porque viu que também outro o havia tido, e, percorrendo a mesma estrada, nele encontrou um companheiro e um amigo. De resto é natural que sejam vários a ver a mesma coisa. A verdade em si é uma só. A nova realidade pré-existe à nossa descoberta. Esta não cria nada, apenas revela o que já está resolvido pela natureza e funciona sem que tivéssemos consciência disso.

Assim começa a delinear-se a nova religião científica, racional, comprovada, convincente, aquela que as religiões terão de referir-se e alcançar, se quiseram sobreviver na mente moderna. Já não mais apenas revelação, tradição, mas também ciência, ciência que se prolonga na religião, que se eleva e continua no plano espírito, que se completa com critérios positivos no terreno ético e social. Esta é a tendência atual, isto é, um desenvolver-se da ciência para dilatar- se cada vez mais, invadindo todos os campos do pensamento e da ação. Não se trata, apenas, de transformar as religiões para que sejam concebidas diversamente; trata-se, também, de transformar a ciência atual para que dela se adquira um novo conceito. Então o materialismo, o agnosticismo, o cepticismo, o ateísmo, tornam-se coisas superadas. A mente humana, pelo menos nas suas grandes linhas e orientação geral, avança em direção à solução do problema do conhecimento e assim, implicitamente, de muitos outros problemas menores. É inegável que as barreiras do mistério, anteriormente imóveis, está retrocedendo. Isto é fruto, não obstante, de um trabalho que se realiza fora das religiões, sem elas, porque a sua maior preocupação não é a pesquisa de mais vastas e profundas verdades, mas antes a conservação das velhas sobre as quais se baseiam as suas posições terrenas. Sucede então que, dado que não se pode parar o progresso do pensamento, ele continua a avançar por sua conta, deixando para trás as religiões.

O mesmo Teilhard afirma a possibilidade de um novo método de pesquisa, por nós já sustentado e praticado, que é a superação do racional por meio da intuição. O problema do conhecimento não se esgota mais no estudo dos aspectos positivos e científicos da natureza, mas exige que a investigação seja levada até o prolongamento espiritual e místico daqueles aspectos. Quando se chegou a compreender que matéria e espírito, hoje concebidos como dois termos antagônicos inconciliáveis, são redutíveis à mesma substância fundamental, os atritos entre a forma mental da ciência e a das religiões podem desaparecer, e é possível fundir, numa só, as duas concepções do ser. Elas, em vez de se excluírem, se integram indispensáveis uma à outra, como duas partes da mesma unidade. Hoje estes dois aspectos parciais e complementares da mesma verdade se estão combatendo, cada um pretendendo constituir o todo e não uma parte; estão-se negando reciprocamente quando são apenas duas afirmações incompletas, que se procuram uma à outra para completar-se; não são senão duas perspectivas da mesma realidade, diversas porque observadas sob dois pontos de vista diferentes, em função de distintos pontos de referência.

O conhecimento está hoje entrando numa nova dimensão de cosmogênese. A mente humana é levada pela evolução a amadurecer até chegar à compreensão de novas concepções. Daí nasce uma forma mental nova da qual deriva uma transformação da vida do homem em todos os campos. Até um passado recente, o homem se julgava nascido rei do mundo, a obra prima de Deus, num universo feito para ele. Hoje o nosso planeta tornou-se um grão invisível num universo que milhares de anos-luz não bastam para atravessar; e a nossa humanidade perante a vida universal espalhada nas galáxias, pode reduzir-se a uma microscópica cultura de bacilos. A humanidade está superando a forma mental no antropomorfismo que representava a sua interpretação pueril, a representação que ela refazia do universo. Começa-se a pensar tudo outra vez, em termos de uma nova cosmogênese, de dimensões imensamente mais amplas. Somente no início, tudo isto podia levar ao ateísmo os principiantes da ciência, demasiadamente apresados em concluir. Hoje tudo isto leva a Deus, mas através de um modo mais elevado e completo de O conceber. A tendência mais adiantada não é de destruir a ideia de Deus, mas apenas a de superar aquela ideia especialmente humana que o homem, até agora, com a sua cabeça produziu, limitando-se a projetar-se a si próprio. A luta é apenas contra o antropomorfismo; mas as religiões a entenderam como se fosse contra elas, porque se identificavam com este antropomorfismo. Combatê-lo era interpretado como combater essas religiões, quando o que se combatia era o modo de conceber Deus, ilógico e inaceitável, que levava ao ateísmo, e, combatendo o antropomorfismo, se lutava contra aquele ateísmo, em favor das religiões que ele ameaçava. O que leva ao ateísmo não é a ciência, mas o antropomorfismo religioso; só deste há necessidade de nos libertarmos e jamais da ideia de Deus.

Houve uma época em que a evolução aparecia como uma ameaça às verdades religiosas e por isso era condenadíssima. Atualmente ela pode ser entendida como uma sua confirmação. O conhecimento do passado animal do homem nos leva a vê-lo ao longo de um caminho de contínuas superações, o que significa observá-lo em função do seu futuro super-humano, no qual aquilo que se deve realizar é a espiritualidade intuída pelas religiões, é o ideal por elas sustentado, é o reino dos céus proclamado por Cristo. Eis então que, em pleno acordo com as religiões e a moral por elas pregada, e em pleno acordo com o evolucionismo científico, se pode implantar uma antropologia previsora, que estuda a antropogênese para levá-la para diante e dirigi-la em direção ao futuro, transformando-se num guia iluminado da evolução do homem. Realizações até hoje impossíveis para as religiões, que têm estado fechadas numa ordem de conceitos totalmente diversa.

Como sustentamos no volume Princípios de uma Nova Ética, trata-se de chegar a u’a moral positiva, científica, racional, demonstrada, que se substitua a atual, que é empírica, produto instintivo do subconsciente. Isto não quer dizer que ela não tenha o seu significado e valor, porque tudo quanto é produto da vida o tem, a qual sabe sempre o que faz. Mas neste caso, perante produtos mais evoluídos, controlados pela razão, trata-se de um produto mais elementar e involuído, como são os do subconsciente, depósito das experiências inferiores do passado. Repete-se sempre o motivo do velho e do novo testamento. E também isto prova a evolução. O velho fica, mas é arrastado mais para diante. Não é destruição, mas superação por amadurecimento. A vida nunca destrói em sentido absoluto: só transforma, e é neste sentido de ressurreição que mata o velho. Este íntimo trabalho do existir nunca se detém e ninguém poderá detê-lo jamais.

Continuando a ler Teilhard, notamos que ele soube ver e sustentar uma outra grande verdade, que nos leva a conceber a vida de outro modo. Para compreender o homem, é necessário vê-lo como ele é na realidade, não abstratamente, separada dela em nome de princípios a ela estranhos, mas em função de leis biológicas que regem o plano de evolução no qual o homem se encontra situado. Tudo o que diz respeito ao homem, ética, economia, política, religião etc., cada produto da sua atividade, se entende em função das leis da vida dentro das quais ele se move e às quais sem saber ele obedece. Tudo o que refere ao homem é portanto uma função biológica, que só biologicamente pode ser compreendida e que, inteligentemente, como fenômeno antes de mais nada biológico, está dirigido aos fins da evolução. Também tudo isso nós sustentamos e explicamos.

Até hoje o homem foi, por instinto, inconscientemente guiado por estas leis. Trata-se agora de conhecê-las para saber as que nos dirigem, para segui-las com conhecimento e consciência, até onde seja possível, para intervir ativamente colaborando com elas, com a adesão de nossa vontade acentuando a ação delas para alcançar melhor o que constitui a nossa vantagem, o fim supremo em direção ao qual tudo está evoluindo. A biologia se tornará assim uma ciência universal, tão vasta que abarcará também uma biologia do espírito, uma biologia do ideal, uma biologia das religiões, da teologia, da ética, da economia, da política, porque tudo aquilo que o homem faz é uma expressão das leis da vida, e em função delas é realizado. A questão é conhecê-las. A observação dos fatos as revela, e podemos lê-las escritas na realidade, onde a encontramos em pleno funcionamento. Então aparecem os vínculos que ligam e levam à unidade as várias formas de pensamento e de atividade humana. Todas elas não são mais do que uma manifestação do trabalho de um contínuo amadurecimento evolutivo, de uma íntima elaboração da vida para subir, sendo apenas momentos diversos, no espaço e no tempo, de um mesmo acréscimo orgânico e universal, que é a evolução, a qual, no seu irrefreável impulso, arrasta a vida, pois, tudo que existe é vida.

Eis a grande concepção teilhardiana: cosmogênese contínua em ascensão, e a constatação de que o homem, agora tornado adulto, está maduro para tomar a direção da evolução da vida no seu planeta e por isso deve assumir essa direção, ser dela consciente e responsável. Nessa tarefa imensa não falta trabalho para as religiões que deveriam inteligentemente cooperar na realização das leis da evolução e do seu imenso programa de ascensão que representa o conteúdo fundamental daquelas religiões. Não se trata da morte das religiões! Trata-se da morte da sua forma atual atrasada, para ressurgirem numa outra mais avançada e potente. Como sempre, também neste caso, que não pode fazer exceção, a vida destrói só para reconstruir mais acima. Seria absurdo o contrário, dado que a tendência suprema da vida é subir. As religiões deveriam compreender, que grande vantagem representa para elas o transferir-se para tais dimensões superiores nas quais, quer elas queiram quer não, a vida hoje exige que se situem quem quiser sobreviver. É inútil resistir às suas leis, e quem o fizer será eliminado, deixado para trás no caminho da evolução.

Eis as palavras de Teilhard  : “Até agora a antropologia havia sido considerada, de u’a maneira geral, como uma pura descrição do homem do passado e do presente, individual e social. De agora para diante o seu princípio centro de interesse deveria consistir em guiar, promover e operar a evolução do homem. Os não biólogos esquecem muitas vezes que sob as variadas regras da ética, da economia e da política, se encontram inscritas na estrutura de nosso universo certas condições gerais e imprescritíveis de crescimento orgânico. Determinar, no caso do homem, estas condições básicas do progresso biológico, deveria ser o campo específico à nova antropologia: a ciência da antropogênese, a ciência do desenvolvimento ulterior do homem”.

Conceitos novos e vitais de Teilhard que sustentávamos antes de conhecê-lo 4 . Não podemos verdadeiramente compreender o homem, colocando-o dentro de uma biologia que evolutivamente ele ainda não alcançou, cujas leis, portanto não são as suas. Isto serve para educá-lo, mas não para compreender as razões da sua conduta. O homem deve ser visto em função da biologia do animal, porque esta é a biologia do seu passado, através da qual o próprio homem se construiu tal qual é hoje, porque este é o caminho percorrido por ele para chegar até aqui com a sua história escrita no seu subconsciente, e que constitui a forma mental que o dirige.  É  certo que dizer ao homem que Deus o criou à sua imagem e semelhança pode ser útil para efeitos educativos, enquanto o investe de uma dignidade que ele, através da sua conduta, se sente levado a respeitar. Se quisermos, porém, compreender o homem nos seus impulsos, instintos e ações, devemos vê-lo em função das formas de vida já vividas por ele, na sua posição no cimo da escala zoológica da qual emerge, mas da qual todavia faz parte, ou seja, em posição biológica em vez de metafísica, porque se esta representa o futuro viver, o homem, da primeira já vivida, conserva em si os traços mais profundos, de um tipo bem diferente do metafísico.

Todavia é necessário também admitir que apenas a biologia do animal não basta para compreender o homem inteiramente, porque ele não é feito somente de recordações do passado, mas também de pressentimentos do futuro, ainda que sejam vagos. Aquela biologia se completa, portanto, com a biologia do espírito e do ideal, que no entanto existe na crista da onda da evolução e onde vivem isolados alguns precursores do futuro.

 Também é verdade que seria um erro crer que a esta biologia do espírito se possa chegar só por abstrações metafísica sem ligá-la com a biologia do animal, porque é dela que esta superestrutura deriva e se eleva; é sobre aquela que esta se baseia, é nela que aquela superestrutura tem a s sua raízes e precedentes, que a explicam e justificam. De um polo a outro, há diversos níveis evolutivos, e trata-se do mesmo fenômeno em continuação de desenvolvimento. Só de tal modo, havendo compreendido o passado, podemos não só compreender a existência de uma biologia do espírito, mas ainda racionalmente prever o futuro desenvolvimento, qual poderá ser o conteúdo dos estados superiores, aos quais a evolução poderá levar-nos, elevando logicamente dobre aquele passado.

Isto sem esquecer qual é a estrutura da matéria prima biológica a elaborar, aquela que o progresso humano deve levar adiante, porque constitui as bases da nova criação evolutiva. Mesmo nas supremas criações espirituais é necessário nunca esquecer a realidade biológica, nunca se separar dela, para não naufragar, isolando-se, em sonhos fora da vida. Esta é a verdadeira posição equilibrada, isto é, aceitar como ponto de partida a natureza zoológica do homem, mesmo que esta se destine depois aos mais altos planos espirituais; e daquele ponto de partida subir depois até onde, ao longo do processo evolutivo, o amadurecimento permita. Não nos iludamos, porém, com voos de fantasia e pensar que isto seja fácil, como sucede com muitos que pretendem refazer o mundo. A velha natureza humana de base é muito resistente e não se muda num só dia. Até Cristo teve de ter em conta as leis biológicas do planeta e limitar-se a trazer apenas retoques e leves melhoramentos àquele fundo zoológico que constitui a base da natureza humana.

Compreendido tudo isto, ou seja, que não podemos entender a conduta humana de outro modo a não ser reportando-nos à sua substância biológica em função das leis de nosso plano evolutivo, poderemos então perguntar-nos qual o significado daquelas construções metafísicas de que falávamos agora, não no caso excepcional dos raros pioneiros da evolução, mas no caso comum de tantos grupos humanos de massa, incluindo os religiosos, que sobre aquelas construções baseiam a própria organização e existência. Para quem está habituado ao controle positivo das teorias, levando-as ao contato com os fatos, tantas concepções filosóficas e teológicas podem parecer o resultado de uma imaginação, de afirmações situadas fora da realidade que elas ignoram; podem não obstante tudo isto justificar-se biologicamente como um produto instintivo inconsciente, mas sabiamente desejado pelas leis da vida com uma precisa finalidade: através da luta, alcançar a sobrevivência. Tratar-se-ia então de um produto  do  subconsciente  com  o  fim  de  assegurar  tal  sobrevivência entrincheirando-se por detrás de uma ideologia, utilizada como meio para sugestionar os crentes e assim obter o respeito, arma psicológica que se substitui à força para paralisar na luta a agressividade dos outros, garantindo-se assim a segurança própria. Desta maneira o grupo zoológico pode justificar a sua posição. As construções metafísicas seriam então um produto instintivo nascido da vida para a sua defesa, ou bem seriam a emanação de planos evolutivos superiores cujas construções descem ao nosso mundo para civiliza-lo, um material ideal super-humano, que no entanto é adaptado ao ambiente terrestre, para ser assim utilizado para objetivos totalmente diversos, transformado em meio de luta pela vida. Eis como pode ser entendida e aplicada a biologia do espírito quando é usada pelos imaturos, ainda situados no nível da biologia do animal.

Com tal concepção biológica podemos explicar-nos fatos, cuja razão de outro modo não chegaríamos a compreender. As ideologias de qualquer tipo constituem o castelo dentro do qual, quando não se pode usar a força, o grupo se entrincheira e se defende.  É por isso que as ideologias, sejam religiosas ou políticas, exigem fé, o que significa consentimento, adesão e, por fim, obediência, que é o ponto fundamental em que cada grupo insiste porque constitui a base do seu poder. Os elementos do fenômeno são sempre os mesmos: proselitismo para estender o domínio e autoridade para mantê-lo. No plano biológico do ideal tais coisas são contraproducentes, antivitais, absurdas; mas no plano biológico animal do homem são questão de vida ou de morte. Neste nível o ser tem que resolver a qualquer custo o problema tremendo da sobrevivência e não há margem para sonhos; o ideal é loucura que mata. Eis porque à volta do castelo em que se refugia o ideal é necessário construir muros de defesa contra a instintiva agressividade destruidora do homem não evoluído, e o grupo deve constituir no centro uma autoridade que comande os seus súditos, mesmo que seja só pela fé, e sujeitá-los à obediência.  É  uma posição de guerra. Parece uma contradição porque inverte os princípios do ideal. Mas esta forma invertida é a única que ele pode assumir quando aquilo que pertence a um plano biológico superior desce a um inferior. E esta é de fato a forma na qual constatamos a existência dos ideais na Terra.

Condenar não resolve. É necessário antes de tudo compreender e explicar. Os fatos mostram-nos que mesmo Deus, quando se manifesta na Terra, não a viola, mas lhe respeita as leis. A revolução, a grande transformação pode realizar-se só passando a um plano de vida superior. Mas enquanto se pertence a um determinado nível biológico, até que por evolução não se consiga sair dele, fica-se encerrado dentro das suas leis às quais se deve obedecer. A reação que dá razão ao ideal verifica-se só no momento no qual o indivíduo, por ter progredido bastante, está maduro para evadir-se do plano biológico inferior e entrar no superior. Assim sucedeu também com Cristo. Enquanto esteve vivo na Terra, o ideal foi com Ele crucificado. Ele pôde triunfar como vencedor só quando, estando morto, se encontrou fora do plano biológico humano e não antes.

Pudemos assim explicar a contradição existente no fato de que, se queremos que o ideal resista e sobreviva na Terra, ele deve aceitar aquilo que ele mesmo condena, e é necessário que os valores espirituais sejam defendidos com os métodos do mundo, ainda que com a força, mesmo que isso esteja em aberta contradição com o Evangelho. Não é essa a história do cristianismo, impulsionador de inquisições, de guerras santas e teoricamente baseado no princípio do amor e da não resistência? Só afrontando assim biologicamente tais problemas se pode compreender o significado do que vemos acontecer no mundo. Se ele funciona de tal modo, deve no entanto ter as suas razões. Observando o fenômeno do ponto de vista biológico nos colocamos não diante do homem para que explique e justifique o seu procedimento, mas colocamo-nos perante a inteligência da vida, que sabe bem o que faz, e que é a única que pode e sabe dar-nos uma resposta exaustiva. Para compreender é necessário sair da forma mental corrente, isto é, do terreno dominado pelas leis do plano biológico animal-humano vigentes na Terra, observando antes as coisas em função de planos biológicos diferentes, superiores, abraçando uma visa mais vasta ao longo do caminho da evolução. Observando o fenômeno não com critério de um só tipo social econômico, político ou religioso etc., mas com critério biológico, podemos, elevando-nos sobre o particular, alcançar o universal. Encontramo-nos assim diante de princípios que funcionam da mesma forma nos campos mais diversos, como sucede com o princípio já observado da autoridade e da obediência, presente nas ordens religiosas como nos ambientes militares, no catolicismo como no comunismo, todas as vezes que se estabelece uma estrutura hierárquica, típica das organizações humanas, descobrimos assim que cada coisa tem a sua razão de ser, mesmo que ela seja bem diversa da oficialmente apresentada, com a qual, às vezes, se procura esconder a verdadeira. É natural, de resto, que, movendo-se tudo num ambiente de luta, apoiado em posições de combate, a verdadeira razão de tantos expedientes, que revelariam ao inimigo a sua própria estratégia, seja escondida, camuflada sob outras razões aparentes. Mas chegaremos a compreender tudo isto, ou seja, a verdadeira razão destas posições que parecem culpáveis e contraditórias, somente se afrontarmos o problema, tocando na sua substância, que é de natureza biológica.

Chegados a este ponto nos perguntamos: realmente não seriam as construções ideais, debaixo das aparências, apenas uma ficção com o objetivo de exploração prática, para mascarar os próprios movimento frente ao inimigo? Como tais construções existem, é possível que isso esconda uma tão baixa finalidade, que ela não tenham nenhum significado melhor? Não. A sua existência representa verdadeiramente também um pressentimento do futuro, uma antecipação tendente a realizá-lo na forma oferecida pelo ideal. Aquelas construções podem ter ainda outro significado e representar uma posição e função diversas, não mais de guerra no plano da biologia do espírito. Então, a luta dos grupos baseados num ideal, para a sua defesa e sobrevivência, pode existir também para realizar uma outra função, que é a luta pela defesa e sobrevivência do ideal na Terra, de modo que aqui ele possa cumprir a sua missão evolutiva.

Podemos  compreender  como  tudo  isto  sucede, recordando que estas duas biologias, com as suas respectivas leis, representam a vida em dois níveis seus, os graus de evolução, e que esta vai do Anti-Sistema (AS) ao Sistema (S). Ora, é lógico: o que é inferior seja prevalentemente do tipo AS, e o que é evolutivamente superior seja do tipo S, tipos dos quais conhecemos as qualidades que os caracterizam. E é lógico também que, estando a vida na Terra, como em toda a parte, tal vida possa conter, misturados, indivíduos mais atrasados, do tipo AS, e outros mais progressivos, do tipo S. Então cada um deles, segundo a sua natureza e respectiva forma mental verá tudo de acordo com ela e tudo tenderá a reduzir dentro dos limites da sua capacidade conceptual e do seu plano de evolução. Eis então que a compreensão e a realização do mesmo princípio será diversa conforme o diverso tipo biológico; eis que o ideal na Terra poderá ser compreendido e realizado diversamente conforme se trata de um involuído, tipo AS, funcionando no âmbito da biologia do animal, ou de um evoluído, tipo S, funcionando no âmbito da biologia do espírito.

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Enquanto o evoluído é um instrumento de descida do ideal à Terra para o progresso da humanidade, o involuído é naturalmente levado a ver a este ideal só do seu ponto de vista inferior, situado no plano da biologia do animal. Por isso o involuído tende a abaixar e reduzir o ideal ao seu nível, para fazer dele o uso que acabamos de ver, isto é, não em função de princípios superiores, mas para desfrutar de tudo para sua vantagem na luta pela sobrevivência própria. É natural que o involuído tenda a arrastar tudo para o seu plano de evolução; ele portanto, não saberá fazer outro uso do ideal, senão o de utilizá-lo para lhe extrair uma vantagem material. Enquanto o evoluído tende a levantar tudo em direção ao S, o involuído tenderá em afundar tudo em direção ao AS. O primeiro purificará tudo em que toca, o segundo sujará tudo, será um destruidor de valores espirituais onde o primeiro é um construtor. Enquanto a tendência constante de um é endireitar o AS no S, a do outro é de emborcar o S no AS. Dessa forma podemos explicar o que sucede no mundo.

Assim que os ideais, observados do ponto de vista do involuído, podem parecer loucura antivital, perigo de morte, porque estão contra o seu mundo e pretendem desviá-lo para outras finalidades que não são as do seu plano biológico, o qual representa todo o seu reino. Os ideais são portanto negados e repelidos, ou bem torcidos para se adaptarem à Terra. Mas vemos também toda a sabedoria do mundo, toda a sua luta para vencer no seu nível, observadas do lado oposto, do ponto de vista do evoluído, podem parecer igualmente loucura antivital, porque seguir quimeras, resultados transitórios, fictícios, isto não conduz à ascese, que é o objetivo da vida, nem à afirmação no plano espiritual, que é o mais importante. A sabedoria do mundo é portanto desprezada e repelida para dirigir-se em direção ao alto, sendo reconhecida conforme o ponto de referencia escolhido para o seu julgamento. É fato concreto: cada um quer e deve, antes de tudo, realizar-se no seu plano de evolução, conforme a sua própria natureza.

Aquilo que queremos provar positivamente, não só pela via da fé, e seguir o ideal não é aquela estupidez que o mundo crê e sustém nos seus juízos. Por isso enfrentamos o problema dessa forma. Com algumas afirmações avançadas escandalizamos possivelmente os espíritos sensatos; mas se se quer compreender a realidade é necessário ter coragem de encará-la de frente em todos os seus aspectos, mostrando inclusive aqueles que se costumam calar, e disto dizer o porquê. Quisemos permanecer positivos, porque só assim se podia dar ao ideal e à biologia do espírito, as bases sólidas que a ciência requer e que possam resistir à crítica dos seus inimigos.

No ambiente terrestre baseado na luta, é natural que o ideal desça para ser aproveitado pelo involuído que nele viverá, para ser entendido e utilizado, embora reduzido a uma mentira. Outra coisa não se lhe pode pedir. Como se pode pretender que um tipo biológico AS se torne de repente um tipo S? Como é possível que um tipo AS, que foi construído com a evolução terrestre e que ainda está situado ao nível da biologia animal, se ponha a viver o Evangelho se, por atávica experiência bem impressa no seu ser, ele sabe que quem se desarma como o Evangelho quer, fica vencido na luta e por isso deve morrer? Como se pode pretender que a vida aceite num nível biológico inferior aquilo que, pelo fato de pertencer um nível biológico superior resulta antivital no inferior, o Evangelho, como todo ideal superior, lei do futuro, redunda num absurdo biológico? Se a maioria costuma pregar o Evangelho, como não se limitar apenas a seguir, a corrente que o uso impõe? Isso sem jamais admitir que o Evangelho possa ser tomado a sério e que existe para ser vivido. O involuído, ao contrário, com plena convicção, pensa evadir-se dele com honra e fabrica para si mesmo um manto de hipocrisia. O homem são e normal sabe bem que o Evangelho integralmente aplicado, é para ele um perigo de vida. Ele tem portanto, direito à legítima defesa e, se a revolta declarada é condenada, segundo a moral biológica do seu plano, não há razão por que ele não deva recorrer ao engano. Eis como o Evangelho pode transformar-se na Terra numa escola de hipocrisia.

A verdadeira conclusão é esta: se queremos evoluir, devemos passar das zonas que gravitam em direção ao AS para as que gravitam em direção ao S, devemos superar a biologia do animal para tornamo-nos cidadãos da biologia do espírito. Trata-se de começar a viver em função de outras finalidades. Hoje vive-se mais ou menos animalescamente.  É necessário transformar a tremenda vontade de viver que existe em todos nós numa vontade de evoluir, porque é o evoluir que dá significado e valor à vida. O supremo imperativo ético é convergir todos os esforços para evoluir em direção ao ponto Ô mega, que é o S, o que dá também cientificamente um significado profundo e um valor superior à vida.

É contraproducente na economia do indivíduo, viver só em função de limitadas realizações terrenas, imersos na biologia animal, na estupidez de uma luta de todos contra todos, para matar e ser morto. A ciência deve entrar na vida para dirigi-la com inteligência; nos nossos pensamentos e ações devemos mover-nos orientados pelo conhecimento. Religião e ciência devem cooperar para atingir, por caminhos diferentes, este conhecimento, de maneira que ilumine a nossa existência, porque nas trevas da ignorância não sabemos e não queremos mais viver. O mundo tem necessidade de uma visão global orientadora, que satisfaça sua sede de saber e a sua necessidade de sábias diretivas que lhe inspirem confiança. Se religião e ciência não se aliarem para alcançar tal visão, tudo se afundará em nós, porque com uma ansiedade de adultos mais exigentes no saber do que as crianças, para nós as trevas são muito mais insuportáveis do que foram nos séculos passados, nos quais a falta de maturidade permitia que fosse possível viver num estado de ignorância, inconscientemente tranquilos.

Os conceitos acima expostos permitem-nos trazer o ideal e a espiritualidade ao seio da ciência com os seus critérios positivos, porque a estes valores superiores se deu um significado biológico, isto é, de um plano de existência mais avançado, que o ser terá de alcançar por lei de evolução, o que é cientificamente lógico e aceitável. Assim se explica racionalmente a função biológica das religiões, da ética, do direito, das diversas instituições sociais etc., o porquê de tudo existir em relação aos fins que a evolução da vida com tais meios quer atingir. Tudo portanto é biologia; cada manifestação da vida individual e social representa uma posição ao longo do caminho do progresso evolutivo; tudo se entende e está enquadrado em função das leis da vida e portanto se resolve antes de mais nada com critérios biológicos. Esta realista concepção biológica explica- nos a conduta humana em muitos de seus aspectos, além das preconcebidas abstrações filosóficas e teológicas.

Esta será uma psicanálise da humanidade para eliminar seus complexos atávicos, assimilados no duro passado mas que agora em diante constituem defeitos antivitais, como o instinto bélico, a ganância, o espírito de domínio, a estupidez do orgulho, a insaciabilidade do gozo etc. Compreender finalmente como a vida verdadeiramente funciona, sem hipocrisias e ilusões, é tentar inteligentemente não incorrer mais, por inconsciência, em muitos erros loucos que depois é necessário pagar duramente, e será ao mesmo tempo uma purificação de pecados herdados do passado e uma retificação psicológica para não cometê-los mais no futuro. Para isto, por exemplo, concorrerão, sem estarem separados e inimigos, o confessor de um lado e o psicanalista do outro mas um confessor perito inclusive em psicanálise e um psicanalista que possua uma consciência ética, da espiritualidade, da filosofia e das religiões, de modo que possa ser, além de médico da psique, também dirigente de consciências. Quando tivermos sinceramente analisado e compreendido o que nas religiões se tornou emborcamento do ideal ao serviço da animalidade, muito mal poderá ser superado eliminado.

Quando se compreender o significado do método da fé, usado pelas religiões, os racionalistas da ciência não poderão mais condená-lo. A fé tem potência criadora, portanto no mundo espiritual existem as coisas que acreditamos. A fé abre, em direção a mundos superiores, as portas da alma, e tem assim o poder de fazer-nos sentir aquilo que de outro modo ficaria escondido no ultra-sensível. Quando o homem para evoluir deve resolver o problema da conquista de um futuro para ele desconhecido, porque super-normal, e que lhe é apresentado só no estado nebuloso de ideal que ainda é necessário concretizar em formas que fixem na Terra à vida humana, não há outro sistema, se se quer avançar, senão o de antecipar a existência real daquele ideal fazendo-o aparecer na mente com imagens que o representem. E com a sua repetição o fixem, e que paralelamente o conduzam a manifestações exteriores que o expressem. Ora, este é o método praticado pelas religiões para a descida do ideal na Terra: por lenta assimilação consuetudinária, não apenas por via interior e exterior, mas por via mental, e material. Uma convergência de fé e práticas que se alimentam alternativamente, de maneira a levar o indivíduo a realizar o ideal em si mesmo como qualidade própria, construindo assim a sua individualidade sempre completa e perfeita.

Podemos descobrir nas religiões uma sapiente técnica construtiva de formas mentais superiores, de tal modo que acabam por fixar-se definitivamente na vida, levando-a um passo adiante no caminho da evolução, que tínhamos visto ser, de agora para diante, um processo de espiritualização. Por longa experiência, as religiões tentaram aperfeiçoar esta sua técnica de modo que esta possa continuar a funcionar, mesmo quando os instrumentos humanos dos quais ela dispõe para a administração do culto sejam elementos imaturos, incapazes de compreender qualquer ideal. Isto prova que na prática, mesmo o ideal, se quer descer à Terra deve ter em conta a realidade biológica, isto é, o material humano no estágio em que se encontra.

Voltando com um exemplo ao tema da fé e à sua potência criadora, eis que quando acreditamos firmemente que as palavras do sacerdote, ao consagrar a hóstia, nela fazem descer o espírito de Cristo que assim a transforma, mesmo se quimicamente se provar que não houve nenhuma transubstanciação, vemos que a nossa fé criou um fato positivo que realmente existe e que a nossa representação mental do Cristo está bem localizada naquela hóstia, como uma presença real Dele. Ora, no plano mental, para quem creia, basta isto, para que exista de fato o Cristo naquele lugar. É uma existência subjetiva, mas quando ela é multiplicada por um grande número de pessoas, torna-se uma existência objetiva, baseada sobre um íntimo testemunho coletivo. Aqui nos avizinhamos deste problema com a psicologia positiva da ciência. A presença objetiva de Cristo espacialmente localizado num suporte material seu é outra questão, e aqui não a entramos. Mas é certo que a realidade objetiva absoluta não existe nem na ciência, mesmo que na observação interfira a presença do observador.

Quisemos observar os métodos das religiões. Eles procuram ser até hoje um meio de educação, um instrumento de evolução. Amanhã, se elas souberem atualizar-se com o progresso do pensamento humano expresso pela ciência, inclusive no terreno delas, poderão constituir no seio da ciência um elemento indispensável da biologia do espírito.

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Encontramos em Teilhard um outro conceito importante. Ele sustenta a existência de um ponto  Ômega, em direção ao qual todo o universo tende a evoluir. Mas este conceito implica num outro, que Teilhard não poderia deixar entrever, isto é, que este ponto  Ômega é também o ponto Alfa, o que quer dizer que o ponto de chegada do transformismo deve coincidir com o seu ponto de partida. Teilhard não focou a sua intuição sobre este conceito, mas o viu, apesar de longe. Uma vez descoberto pela ciência o fenômeno da evolução, ela não pode deixar de ter de admitir também o fenômeno oposto, que é o da involução. O processo não pode ser apenas unilateral, somente evolutivo, sem conter, para ser completo e equilibrado, também a sua parte inversa e complementar, isto é, junto ao período evolutivo o correspondente período involutivo. Eis-nos aqui perante a teoria da queda que voltamos a encontrar nas religiões e nas suas revelações. Esta é a teoria do S e AS, por nós sustentada e detalhadamente explicada, que forma o esqueleto do processo transformístico do universo. Teilhard não chegou a declarar explicitamente que esta é a linha máxima do transformismo do ser, mas é com esta concepção que cada palavra sua concorda.  É em direção a ela que, como guiado por um pressentimento, se orienta, ainda que ele não a expresse a presume. Ele não podia deixar de pressentir esta verdade porque ela está escrita na lógica dos fatos, para que quem saiba ler no seu íntimo significado, a veja.

Há, porém, outro fato, Teilhard vê o ponto  Ômega alcançável somente através do Catolicismo. Entretanto àquele ponto convergem não apenas todas as religiões; ele é também o ponto de convergência da evolução de todas as formas da existência, mesmo aquelas para nós inimagináveis, não redutíveis aos limites das nossas concepções terrestres e muito menos às de uma religião particular. Nisto Teilhard deve ter obedecido à necessidade, que lhe foi imposta pela sua posição social, de não se afastar nas suas investigações filosóficas, de certas conclusões pré-fabricadas. Trata-se de antropomorfismo de tipo bíblico, aos quais não se pode reduzir a vastidão das concepções cósmicas hoje atingidas. Tal posição então não é científica. Não se pode limitar a Deus monopolizá-lo em exclusividade fechando-o dentro de uma religião particular. Era possível chegar a tal redução com o Deus antropomórfico do passado, mas já não o é mais hoje com o Deus de dimensões cósmicas que a ciência nos faz entrever.

Biologicamente, é possivel explicar-nos a razão deste caso, referindo-se ao conceito acima afirmado, isto é, que possamos entender a conduta humana reportando-nos às leis biológicas, que dirigem o homem, mesmo sem que ele saiba. Ele obedece porque elas constituem a sua natureza, definem o seu biótipo, são as leis do seu plano de vida. E como nos referimos, o homem não pode fugir a elas senão evoluindo para um nível evolutivo superior. Ora, a lei do nível humano atual é o egocentrismo. O homem daquele tipo concebe a existência em forma egocêntrica, isto é, em função do próprio eu ou do grupo do qual este forma parte.  É  que o homem tende a reduzir tudo a si próprio, tudo concebendo antropoformicamente em função de si próprio e do seu grupo.  É assim que podemos explicar como uma religião tende a reduzir e fechar nos seus limites o ponto  Ômega, para aprisioná-lo no seu próprio egocentrismo, fazendo-se centro do universo. Podemos explicar-nos esta forma mental e como esta necessidade foi imposta a Teilhard pelo grupo sob pena dele ser expulso. O  fato de  impor semelhantes premissas às suas investigações filosóficas é uma prova disto.

E Teilhard foi obediente. Quem sabe mais é também mais razoável e está por cima do mundo e dos seus juízos. Ele chamava ao seu caso: “o cisma entre a metade do mundo que se move e a outra metade que não quer avançar”. Teilhard era uma antecipação do futuro e queria andar a frente. O grupo é feito para permanecer na Terra nas posições conquistadas, gozando dos seus frutos sem trabalho e sem perigos e, mesmo quando maneja o ideal, o faz sobretudo em função da Terra que é o seu mundo. Sucede que muitos foram condenados nas mesmas condições de Teilhard, mas cada um segundo sua conduta revelou sua natureza: o involuído, que vive no nível do egocentrismo, revolta-se e separa-se do grupo para declarar-lhe guerra, instalado no seio de um grupo inimigo; o evoluído, que vive no nível espiritual, obedece, permanece no seu posto de dever, fiel aos seus próprios compromissos, mas não abandona a sua ideia, antes pelo contrário, continua a vivê-la mais intensamente porque o espírito não pode ser coagido, esconde-a dentro de si, compensando-se desse modo de não poder comunicá-la aos outros que não compreendem. Quando é necessário, deve-se respeitar a vontade do próximo de permanecer ignorância. Quem tem uma vida interior sabe viver ainda que seja apenas interiormente (e que vida!), mesmo quando se lhe negue manifestar-se exteriormente. Quando não é possível realizar o trabalho de fazer evoluir os outros, realiza-se o trabalho de evoluir a si próprio. Dizia Teilhard numa carta ao Geral dos Jesuítas: “Não posso renunciar a mim mesmo. Mas já não me ocupo de propagar as minhas ideias, senão de aprofundá- las pessoalmente”.

Deste modo, permanece nele intacta a sua concepção e convicção. De semelhantes visões profundamente sentidas, fruto de raciocínio e intuição, nasce uma segurança que ninguém pode perturbar. Além disso, a compreensão no silêncio aumenta a convicção, porque o silêncio nos induz a expandir-nos em profundidade em vez de em superfície e então a visão se torna mais clara e se potencializa. Também aqui funcionam as leis que, embora situadas no campo psicológico e espiritual, são sempre leis biológicas das quais não se pode prescindir nestes casos. Mas quem atua segundo os sistemas humanos comuns, não pensa em tais leis e não leva em conta as reações derivadas delas. A compreensão aumenta a reação, e quando esta não pode desabafar-se para o exterior, porque lhe está impedido ou porque o indivíduo é um evoluído que recusa as revoltas terrenas, então a reação se desabafa em direção ao interior, exaltando o tom da vida espiritual, potencializando-a a tal ponto que, por si só, constituirá toda a vida do indivíduo. Aproveita-se então a derrota exterior, terrena, para realizar por si próprio um progresso interior profundo, vivendo a sua própria existência num plano evolutivo mais elevado, substituindo a compreensão material e a derrota terrena por uma expansão espiritual e uma vitória sobre o mundo. Isto é o que significa a obediência de Teilhard de Chardin.

A vida é evolução, que é conquista e que como tal implica luta e esforço contínuo. Onde o homem de tipo corrente se compraz em desperdiçar as suas energias em atritos recíprocos, até chegar às destruições bélicas entre os povos, o homem evoluído transporta este espírito de luta e esforço conquistador a um terreno biologicamente mais avançado e mais intensamente criador. Ele é o maior guerreiro, mas como evoluído em forma pacífica, é o maior revolucionário. Revolucionário do pensamento. E a paz mundial é o ponto aonde a evolução deveria levar o homem, porque ela se encontra no caminho dele, em favor da sua conservação e sobrevivência, objetivo da sua vida. Semelhante paz não será, entretanto, inércia, suspensão da luta e esforço, mas sim a sua continuação, para fins superiores, a fim de que a vida, como é lei, não se detenha nunca no seu trabalho de conquista e ascensão. A isto nos querem levar as leis da vida. Neste sentido, que revelou a sua natureza, Teilhard trabalhou para a sua elevação e para a elevação do mundo.

Esta imensa ideia, a evolução, foi combatida a princípio pelo cristianismo. No entanto ela deveria encher-nos de esperança e entusiasmo porque contém a promessa de um grande futuro. Só ela bastaria para dar-nos a coragem de enfrentar a vida com todas as suas lutas, perigos e dores, porque tudo isso leva a uma superação que, pelo seu valor e posição, representa uma melhoria que nos recompensará. No seu progresso parece que a vida vai tateando no escuro; tenta e muitas vezes falha, e tenta novamente, mas no fim a vitória é sua. Provam-no as posições superiores que conseguiu conquistar. Estas tentativas seriam verdadeiramente cegas, ou antes estariam intimamente iluminadas por uma luz que as dirige? Esta luz não aparece porque está escondida, sepultada nas profundidades do inconsciente que parece treva, mas que é luz, apesar de envolvida na obscuridade, luz que luta, para libertar-se desta obscuridade, para tornar a encontrar-se resplandecente em sua pureza, como para redimir-se da sua culpável destruição nas trevas da ignorância. Não é este o grande drama do ser? As religiões captaram este ponto central. Ninguém é mais evolucionista do que elas, mesmo quando negavam a evolução. Ninguém pode cancelar esta lei de ascensão, porque ela se encontra inscrita na vida e funciona sem que ninguém a possa deter, independente de todos, por cima de todos os juízos humanos.

Não há forma de existência que não esteja enquadrada ao longo do caminho desta grande marcha evolutiva do universo. O homem chegou finalmente ao ponto de dar-se conta deste fenômeno e pergunta: onde nos levará amanhã este imenso movimento? Geologia e Paleontologia mostram-nos o caminho percorrido. Cada minuto que passa fatalmente o continua. Não existe ser algum que não forme parte dele, todos dentro dele vivemos canalizados, e cada um a seu modo não pode deixar de segui-lo. Os mais atrasados buscam riquezas,  honras, poderes e os mais evoluídos lançam-se a conquistas de outro tipo. Os cientistas estudam a natureza para compreender o seus segredos. Os grandes navegantes descobriram novos continentes. Agora pretende-se alcançar o mundo planetário. De mil maneiras, situados em alturas diversa, intimamente, todos querem subir, de modo que a vontade de viver é na realidade vontade de evoluir. Elevar-se é a razão e verdadeiro conteúdo da vida. Para isso existimos.

A nossa humanidade está entrando, agora, na fase psíquica. Antigamente, pouquíssimos pensavam e esses dirigiam os povos como se fossem rebanhos de ovelhas. Hoje, todos começam a pensar um pouco. Descobrem-se valores e dimensões novas, pensa-se de maneira diferente da dos nossos antepassados. Ainda que sejamos egoístas e inimigos, vemo-nos obrigados a viver e pensar cada vez mais coletivamente, organicamente unidos. Forma-se assim uma enorme massa de vida e pensamento que envolve e domina todo o planeta. O homem se apropriará dos segredos e forças da natureza.  É em direção ama imensa vitória e potência de pensamento que se quer orientar o caminho da vida. A maior descoberta do século é o de haver entendido o imenso trabalho de descobrimento que é necessário fazer ainda.

No princípio tudo isto não foi mais que um confuso conjunto de esforços obscuros, mas trágicos, da vida para subir e do pensamento para reencontrar-se e manifestar-se cada vez mais conscientemente. Tudo feito às cegas, sem se saber porque e para onde, por um irresistível instinto, como o de um cego que ainda não vê, mas sente que a luz existe e a procura. Quem deu à vida este anseio de progresso, esta ânsia de evoluir, de expandir-se, de firmar-se contra tudo e contra todos os elementos desencadeados, contra os animais ferozes, o terror do mistério, as trevas da ignorância? No entanto, apesar de tantas dificuldades, esse impulso soube levar a vida até aqui, até ao homem, no qual começa a brilhar a luz do pensamento. Como podia surgir este “mais” por evolução do “menos” que o precede, se este “menos” não houvesse contido alguma vez este “mais”, assim como em uma semente escondida, não estivesse contida a planta a ser restituída à luz? E eis a maravilha. A evolução, pelo aperfeiçoamento das formas físicas, faz emergir uma qualidade nova do ser, entrando numa sua fase superior, a fase do pensamento, para onde está dirigida e onde nos levará? Assim como os primeiros selvagens do planeta não podiam imaginar a que chegaria o homem com a evolução até hoje, também não podemos imaginar hoje, até onde nos levará um dia a evolução. Perante tais perspectivas vale a pena verdadeiramente viver.

O estudo do homem pré-histórico ensinou muito a Teilhard e ele nos conta a visão que o impressionou. A partir daí encontramos os principais pontos de contato entre a Obra e o pensamento de Teilhard de Chardin.

A crise do mundo moderno é no fundo uma crise de pensamento, devida a uma sensação de vazio resultante da derrocada das velhas metafísicas, operada pela ciência. Elas, dada as formas mental do seu tempo, bastavam então para dar uma resposta às grandes incógnitas, e para deduzir uma ética suficiente para dirigir a vida. Essas construções, ainda que não estivessem comprovadas cientificamente e não respondessem à realidade, mesmo quando deixaram o mistério em pé, confortavam e civilizavam induzindo ao bem, prometendo aos bons o apoio de Deus; com a perspectiva de um prêmio ou de uma pena, apoiando-se no instinto utilitário da vida, educavam num princípio de justiça, impondo, segundo ele, determinadas normas de conduta, ao mesmo tempo que satisfaziam as necessidades psicológicas das massas, tirando-lhes o medo ao desconhecido, o medo do fim, do nada, assegurando a tão desejada continuação, e dando uma meta à vida. As religiões cumpriam uma função de proteção e de progresso, biologicamente suficiente para justificar a sua presença em nosso plano evolutivo.

A ciência hoje destruiu estas velhas construções metafísicas sem saber substituí-las por outras que possam representá-las nesta sua função, deixando deste modo o mundo com muitos problemas sem solução. Teilhard quis satisfazer esta necessidade humana de ter uma resposta a essas interrogações, uma satisfação às próprias exigências psicológicas, não se baseando já em sistemas, conceitos e terminologias tradicionais, mas sim na ciência. Fez então o que os homens de ciência não ousam, quer dizer, levou-a até as suas consequências metafísicas e espirituais, até ao campo das religiões, conseguindo satisfazer assim essas necessidades psicológicas, mas com a vantagem de oferecer uma resposta menos empírica e mais positiva, produto da lógica e dos fatos e portanto mais aceitável no mundo moderno porque é mais convincente. Este é o único trabalho que se podia fazer atualmente, no estado atual de desenvolvimento do pensamento humano; o que paralelamente temos tratado de fazer. Hoje a obra de Teilhard conforta-nos mostrando-nos quanto é necessário chegar a uma ciência mais completa e a uma religião mais demonstrada.

Assim, a ciência se torna metafísica e a metafísica se torna científica. As conexões entre os elementos do plano físico encontram correspondência com as que existem entre os elementos do plano espiritual. Entre os diferentes níveis de existência há uma ressonância dos mesmos princípios. Damo-nos conta de que nos encontramos num universo em que os fenômenos estão orientados em direção a um fim, fundidos num funcionamento orgânico unitário, iluminados por um pensamento interior, que nos mostra o significado e a razão de ser. Teilhard intuiu, como nós, a presença de planos biológicos diferentes, com suas leis cada uma relativa a cada um deles; em cada um essas leis dirigem o funcionamento do ser. Nos diferentes níveis estas leis correspondem umas às outras; são encontradas harmonicamente coordenadas, conectadas, analógicas, e no fim nos revelam fundidas no seio de uma lei universal única que representa o pensamento de Deus. A visão é unitária, orientando e compreendendo tudo dentro de si.

Esta visão que tudo abarca, desde o caminho divergente e o fracionamento na análise, nos conduz por um caminho convergente em direção à síntese. É assim que, como também para Teilhard, nos foi possível sair do isolamento dos especializados num só problema, para enfrentar em conjunto, o social, religioso, econômico, psicológico, científico etc., porque desde a orientação nas linhas gerais, éramos guiados a descer em cada campo, o que não seria possível se não se obtivesse primeiro uma visão global do todo. Assim é possível estudar o homem, não fracionado em compartimentos separados, mas no conjunto do seu ser físico-psíquico, na sua realidade integral, isto é, como ele é verdadeiramente, mas abstratamente dividido em compartimentos, abstração útil a fim de se efetuarem estudos, mas que não corresponde à realidade. Assim medicina e moral protegem-se e completam-se nos aspectos fisiológicos, religiosos, econômicos, sociais, metafísicos etc., integram-se alternativamente, terminam unindo-se num só funcionamento coletivo, fundamentalmente unitário. Como unitária é a visão do homem integral, a que se chega, visto na sua totalidade, concebido como uma síntese.

Uma ciência que se faz metafísica e uma metafísica que se faz ciência, podem satisfazer de um modo mais completo o instinto religioso do homem. Este instinto tem a sua função biológica porque representa um impulso para o super-normal que nos espera no futuro, porque enquanto expressa uma tendência a realizá-lo, constitui uma antecipação da evolução, de um estado que ainda não se realizou mas já existente na sua fase preparatória de aspiração e do ideal, e em vias de concretizar-se para fixar-se na mente, nos costumes e instituições humanas. começa-se por um desejo, por uma necessidade indefinida, e termina-se com a codificação para logo continuar com o mesmo processo, cada vez mais avançado. Assim a humanidade acaba por modelar-se sobre o ideal, seguindo e realizando visões cada vez mais elevadas.

Este instinto, querido pelas leis da vida para evoluir, existiu sempre, mas é natural que, com o progresso, exija uma satisfação cada vez mais aperfeiçoada. Em suas fases primitivas o homem não podia adorar senão um Deus feito à sua imagem e semelhança, porque não sabia conceber algo melhor. Atualmente o Deus cósmico, que a ciência nos deixa entrever, já não cabe dentro das velhas concepções religiosas. As nossas idéias evoluem intimamente relacionadas ao progresso da nossa capacidade de concepção. A religião de amanhã se unirá à ciência e deverá se basear em postulados racionalmente demonstrados se quiser ser aceita.

Antigamente essa necessidade não existia, porque não existia a ciência nem a respectiva forma mental moderna. Bastava a tradição, bastava um vasto acordo de aceitação, sobre determinadas soluções, para que o instinto religioso ficasse satisfeito. A crença se baseava na confiança. Bastava que tal filósofo ou teólogo o dissesse para que fosse aceito como verdade. A humanidade ainda infantil contentava-se com verdades já feitas, confeccionadas, prontas para uso, sem direito de análise, já que, não se sabendo fazê-las, tão pouco se sabia e queria pensar, preferindo-se delegar as faculdades do pensamento aos dirigentes. A vida funcionava então fora das dimensões do pensamento, que representava a barreira, ante a qual se detinha a maioria. Gozar, roubar, matar-se uns aos outros, eram as ocupações preferidas, para quais o homem se sentia melhor equipado. A forma mental era simples, as necessidades psicológicas limitadas. Para iluminar o mundo eram suficientes as intuições de poucos homens geniais. O rebanho, só para não ter de pensar muito, seguia, satisfeito, também porque as religiões lhe ofereciam concepções antropomórficas fáceis de entender e que correspondiam aos seus gostos. As massas e os dirigentes, como eram do mesmo nível evolutivo, estavam de acordo, e este consentimento, universal porque era produto do mesmo biótipo, era suficiente para fazer a verdade. Com relação ao desenvolvimento da vida naquele momento, tudo ia bem. Mas uma vez que esta avançou, aqueles problemas e necessidades avançaram também a exigirem soluções e satisfações que o passado já não saberia mais dar. Uma vez suprimido o consenso coletivo, base do valor da tradição, cai também aquela base sobre a qual se apoiavam as religiões. Deste modo elas se arriscam a permanecer na Terra só para uso dos primitivos ainda sobreviventes, mas sem seguidores cultos e convencidos, ou seja, fora da vida, como ruínas mortas do passado.

Eis o valor das metafísicas de tipo científico que Teilhard e a nossa Obra anunciam e preparam. Sobre elas terão que basear-se as religiões porque agora essas metafísicas são as únicas que podem satisfazer as novas necessidades psicológicas da humanidade. O instrumento religioso permanece, mas agora aperfeiçoado, já não pode aceitar as verdades empíricas que antes o saciavam. Para os novos estômagos é necessário alimentos diferente. O instinto religioso é um impulso em direção ao alto, tendente ao S, ponto  Ômega, e por isso subsiste em todos os planos de evolução, ainda que, em conformidade com eles, de forma, exigências e perfeição. E tal instinto subsistirá até que se sacie completamente, ao alcançar a meta do caminho evolutivo, que é Deus. O instinto religioso responde a um princípio biológico, e existe em função da evolução. Assim se explica Teilhard no momento atual, e podemos compreender a importância biológica de sua obra e das do seu tipo, importância esta devida à sua função evolutiva no seio das leis da vida.

Os seguros e tranquilos repetidores das coisas velhas, se bem que mais perfeitos na técnica e exatos na forma, não conhecem o trabalho dos criadores do novo, a dificuldade de expressá-lo com propriedade nos velhos termos feitos para outros conceitos e de fazer-se entender por quem sustenta que tudo foi já pensado, dito e resolvido, e que nada se pode acrescentar. Entre o velho e o novo é sempre difícil entender-se. Trata-se de duas funções necessárias, mas situadas em posições contrárias. Muitos chamam de fidelidade à verdade, a incapacidade do velho de sair da estrutura e categorias segundo as quais foi construída a sua forma mental na juventude. Chamam fé o seu medo de mover-se, de aventurar-se no abismo do mistério, e assim quereriam deter o tempo e a evolução.

Junto a estes existem também os dinâmicos, ardentes conquistadores de novos conhecimentos, ansiosos sempre de saber, descobrir, progredir. Trata-se de dois modos diferentes de conceber. Colocados perante o problema do conhecimento, comportam-se de forma oposta. Assim, quanto mais ignorante é o indivíduo, mas crê saber tudo, possuir toda a verdade, e tanto menos tem curiosidade por conhecer mais do que sabe. Perante o conhecimento fecha as portas, como contra um inimigo. Pelo contrário, quanto mais sabe um indivíduo, mais tem consciência se saber pouco, de não possuir toda a verdade, e mais curiosidade sente por conhecer mais do que sabe. Deste modo o primeiro, porque gravita em direção ao AS, resiste o impulso da evolução ao S; enquanto o segundo, porque gravita em direção ao S, acompanha este impulso e assim sobe em direção à luz. Colocá-los em contato significa opor o positivo ao negativo, pôr frente a frente dois pensamentos opostos, cada um deles não pode fazer outra coisa senão continuar sendo aquilo que é, repetindo o que, dado o seu modo de conceber as coisas, para ele é a verdade. Um dos dois tipos a entende como um grande impulso para a frente, enquanto o outro, como uma zelosa conservação do passado. A forma dinâmica quereria anular a estática; e a estática a dinâmica.

É necessário admitir que existem cérebros diferentes que pensam de maneira diferente, cada um capaz de funcionar só no âmbito da sua forma mental e incapaz de entender a linguagem de outras psicologias que se movem em função de outros pontos de referência. Pode então suceder: o que para um constitui uma grande verdade, para outro é um falar sem sentido. Destes dois raciocínios diferentes, cada um aprendeu, possui, e por isso gosta de repetir o seu, com ele medindo e julgando tudo. Quando dois interlocutores discutem, é porque falam duas linguagens diferentes e não se compreendem. Isto é o que sucede entre ciência e fé. Cada uma delas fala a sua língua, que a outra não compreende porque fala outra, isto é, pensa com outra forma mental. Para entender as duas, seria necessário conhecer as duas línguas, possuir as duas estruturas psicológicas, então se compreende que os dois pensamentos não são inimigos, senão complementares. Mas eles permanecem inimigos, porque cada um conhece só o seu idioma e não o do outro. Teilhard conhecia os dois e das duas verdades tratou de fazer uma só. Mas os seus leitores e juízes continuaram entendendo apenas uma e portanto condenando-o ou exaltando-o segundo o seu próprio idioma, que podiam dele assimilar. Assim cada um, segundo as suas categorias mentais e os seus quadros psicológicos, se escandalizou ou se entusiasmou, conforme as verdades que formavam o patrimônio mental de cada juiz. Podemos deste modo explicar-nos a adversidade dos juízos com respeito a Teilhard e, não obstante a grande importância da sua Obra e a das do seu tipo, como tarda tanto no mundo o seu reconhecimento e aceitação.